segunda-feira, 22 de março de 2010

ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS

ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS


INTRODUÇÃO
Acidentes com animais peçonhentos ocorrem numa média de 250 casos por ano em nosso Estado de Rondônia, segundo dados do CEMETRON, e podem provocar insuficiência renal, amputação de membros e até mesmo a morte caso não sejam diagnosticados e tratados em tempo hábil como veremos á seguir.

Manter os locais de convivência humana limpos como quartos, salas e todos os cômodos da casa, assim como galpões e no caso das casas amazônicas de palafita a parte de baixo sempre bem roçada e livre de lama e outros acumulos de objetos que possam gerar conforto e local propício para formação de ninhos de animais peçonhentos é imprescindível, além de preservar a vida de todos que ali habitam e convivem.

Os acidentes por serpentes são os mais observados na Região Amazônica. A identificação da serpente causadora do acidente ofídico pode ser muito importante para orientar a conduta médica e a prescrição do soro mais conveniente.

Se a serpente trazida pelo acidentado tiver um orifício entre os olhos e a fossa nasal, a denominada fosseta loreal, trata-se de uma serpente peçonhenta. As duas serpentes mais freqüentemente encontradas em nosso meio são dos gêneros:

Bothrops sp.: conhecida popularmente como surucucurana, jararaca ou surucucu. Causam a maioria dos acidentes na Amazônia e também na região de Manaus e municípios vizinhos. Os triângulos do padrão do colorido do corpo destas serpentes têm o vértice voltado para cima.

Lachesis sp.: uma só espécie é conhecida e é popularmente chamada de surucucu ou surucucu-pico-de-jaca. São de hábitos umbrófilos e raramente se afastam muito da mata. Os desenhos triangulares do corpo destas serpentes têm o vértice voltado para baixo.

Se a serpente tiver padrão de colorido em anéis transversais pretos, vermelhos e/ou brancos, pode tratar-se de uma coral peçonhenta, do gênero Micrurus (elapídeo), com várias espécies (quatro em Manaus), mas raramente causando acidente ofídico na Região Amazônica.

Se a serpente trazida pelo acidentado não apresentar padrão de colorido em faixas transversais pretas, vermelhas e/ou brancas, nem tiver fosseta loreal, trata-se de animal não perigoso para o homem em termos de peçonha.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

ACIDENTE BOTRÓPICO: o veneno botrópico tem ação proteolítica, coagulante e hemorrágica e os acidentes podem ser classificados em:

ACIDENTES LEVES: edema discreto (peri-picada) ou ausente e manifestações hemorrágicas leves ou ausentes. TC normal ou alterado.

ACIDENTES MODERADOS: edema evidente e manifestações hemorrágicas discretas à distância (gengivorragia, epistaxe). TC normal ou alterado.

ACIDENTES GRAVES: edema intenso ou muito extenso e manifestações sistêmicas como hemorragia franca, choque ou anúria. TC normal ou alterado.

Os acidentes botrópicos são os mais freqüentes em todo o Brasil (80 a 90%) e em 40% das vezes levam a complicações no local da picada.

ACIDENTE LAQUÉTICO: o veneno laquético tem ação proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurológica (vagal) e os acidentes (pequeno número de acidentes realmente documentados) podem ser classificados em:

ACIDENTES LEVES: edema discreto (peri-picada) ou ausente e manifestações hemorrágicas leves ou ausentes. Ausência de manifestações vagais. TC normal ou alterado.

ACIDENTES MODERADOS: edema evidente e manifestações hemorrágicas discretas à distância (gengivorragia, epistaxe). Ausência de manifestações vagais. TC normal ou alterado.

ACIDENTES GRAVES: edema intenso e manifestações sistêmicas como hemorragia franca. Presença de manifestações vagais (diarréia, bradicardia, hipotensão ou choque). TC normal ou alterado.

ACIDENTE ELAPÍDICO: todo acidente causado pelo gênero Micrurus (coral verdadeira) é considerado potencialmente grave (acidente elapídico). As manifestações clínicas suspeitas são: dor local discreta, algumas vezes com parestesia, vômitos, fraqueza muscular, ptose palpebral, oftalmoplegia, face miastênica, dificuldade para manter a posição ereta, mialgia localizada ou generalizada, disfagia e insuficiência respiratória aguda. Se o paciente não trouxe o animal, mas refere ter sido mordido por serpente com anéis coloridos, mesmo estando assintomático deverá permanecer em observação por, no mínimo, 24 horas, pois os sintomas podem surgir tardiamente. Algumas complicações são muito freqüentes nos pacientes vitimados de acidente ofídico:

SÍNDROME COMPARTIMENTAL: observa-se intenso edema no local do acidente, comprometendo gradualmente a função circulatória arterial. Os sinais clássicos são diminuição da temperatura no membro acometido, palidez, ausência de pulso arterial, parestesia e dor intensa;

HEMORRAGIA INTENSA: quando há consumo significativo dos fatores de coagulação, o paciente pode apresentar hemorragia de tal monta a comprometer a hemodinâmica;

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA: esta é, felizmente, uma complicação mais rara; § INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA: complicação dos acidentes elapídicos;

INFECÇÃO SECUNDÁRIA: especialmente quando o paciente faz torniquete, coloca substâncias contaminadas no local da picada ou demora muito tempo para se submeter à soroterapia anti-ofídica, existe grande chance de infecção secundária, de etiologia muito similar à flora da cavidade oral da serpente e também da derme da vítima (por ordem de freqüência, temos infecções por anaeróbios, Gram-negativos e Gram-positivos); costuma se manifestar clinicamente no mínimo 48 horas depois do acidente.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
O diagnóstico do acidente ofídico é essencialmente clínico, baseado na anamnese cuidadosa do paciente ou acompanhante, classificação da serpente por um funcionário da Gerência de Animais Peçonhentos (sempre que esta for trazida pelo paciente) e na inspeção da lesão.

Rotineiramente, devem ser solicitados: TC, TAP, hemograma, bioquímica do sangue (uréia, creatinina, CPK, DHL, TGO, potássio) e EAS.

TRATAMENTO
O soro antibotrópico (SAB) deve ser administrado nos acidentes ofídicos botrópicos comprovados (quando o paciente trouxer o animal) ou suspeitos (acidente ocorrido no quintal da casa, roça, ambientes urbanos, ruas, praças, etc). Fazer soro antibotrópico-laquético (SABL) somente quando o acidente houver ocorrido em floresta primária (mata fechada) ou capoeira densa e/ou se houver alguma manifestação clínica de estimulação vagal, pela possibilidade de estarmos diante de um acidente laquético. O soro anti-laquético (SAL) puro raramente está disponível. Todo paciente com clínica de envenenamento elapídico deverá receber soro anti-elapídico (SAE).

MODELO DE PRESCRIÇÃO PARA SORO HETERÓLOGO
1 - Dieta oral zero até segunda ordem (ou até término da soroterapia)

2 - Instalar acesso venoso com cateter em Y

3 - Hidrocortisona 500 mg (ou 10 mg/kg) IV 30 minutos antes do item 6

4 - Cimetidina 300 mg (ou 10 mg/kg) IV 30 minutos antes do item 6

5 - Prometazina 50 mg (ou 0,5 mg/kg) IV 30 minutos antes do item 6

6 - Soro anti-ofídico IV, sem diluir, infundido durante 30 minutos

7 - Deixar bandeja de traqueostomia e material de urgência à beira do leito

8 - Dipirona 1g (ou 15 mg/kg) IV 4/4h (para analgesia inicial)

9 - Sinais vitais a cada 10 minutos

DOSAGEM DE SORO ANTI-OFÍDICO ESPECÍFICO

ACIDENTE LEVE MODERADO GRAVE

Botrópico 05 amp. de SAB 08 amp. de SAB 10 amp. de SAB

Laquético 05 amp. de SAL ou SABL 10 amp. de SAL ou SABL 20 amp. de SAL ou SABL

Elapídico - 10 amp. de SAE

Os pacientes vitimados de acidente por animais peçonhentos deverão permanecer em observação no Pronto-Atendimento da FMT/IMT-AM por um período mínimo de 24 horas e os exames complementares serão repetidos 24 horas após a administração do soro heterólogo.

Dar alta ao paciente somente se o processo inflamatório no segmento do corpo atingido for muito discreto ou inexistente e se o TC, TAP e creatinina estiverem normais. Neste caso, encaminhar ao Ambulatório da FMT/IMT-AM, para acompanhamento. Caso contrário, internar o paciente em uma das enfermarias.

TRATAMENTO DA SÍNDROME COMPARTIMENTAL: quando houver suspeita de compressão vascular, o paciente deve ser imediatamente avaliado por um cirurgião, com vistas à realização de fasciotomia para descompressão;

TRATAMENTO DA HEMORRAGIA INTENSA: nestes casos está indicada a reposição de plasma fresco congelado, em quantidade proporcional ao quadro clínico, sempre com monitoração pelo TAP;

TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA: requer a avaliação de um nefrologista com vistas à realização de terapia dialítica;

TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA: com neostigmina, que pode ser utilizada como teste na verificação de resposta positiva aos anticolinesterásicos (aplicar 0,05 mg/kg em crianças ou 1 ampola no adulto, por via IV; a resposta, quando existe, é rápida, com evidente melhora do quadro neurotóxico nos primeiros 10 minutos; continuar, então, com a terapêutica de manutenção) ou como terapêutica (0,05 a 0,1 mg/kg, IV, a cada 4 horas, ou em intervalos menores, precedida da administração de atropina 0,5 mg IV em adultos ou 0,05 mg/kg IV em crianças);

TRATAMENTO DA INFECÇÃO SECUNDÁRIA: constitui tarefa complicada distinguir o processo inflamatório induzido pelo veneno daquele produzido por infecção bacteriana secundária; a antibioticoterapia está indicada na situação em que os pacientes com quadro clínico já estabilizado apresentarem febre, infartamento ganglionar regional e reativação dos sinais flogísticos locais e ainda pacientes que mantiverem leucocitose após 24 horas da soroterapia; a primeira escolha é penicilina G cristalina (100.000-200.000 UI/kg/dia IV 4/4h, por sete dias), caso não haja melhora deve-se associar a gentamicina (3-5mg/kg/dia IV 1x/dia) após avaliação criteriosa da função renal; em caso de não-resposta, outras opções de antibióticos devem ser discutidas para cada caso. Geralmente quando não há melhora, deve-se suspeitar de abscedação no local da picada e o paciente deve ser encaminhado imediatamente para tratamento cirúrgico; o material drenado sempre deve ser enviado ao Laboratório de Bacteriologia. A antibioticoprofilaxia deve ser evitada.

CUIDADOS GERAIS:

1. Manter a higiene do membro acometido;

2. Manter o membro sempre elevado;

3. Enquanto houver alteração do TC, realizar apenas compressas frias, quando houver normalização deste e suspeita de infecção secundária, realizar compressas normas;

4. A analgesia poderá ser feita inicialmente com dipirona, mas se persistir a dor, poderá ser usado Tramadol (100mg IV até 4/4h);

5. Os curativos serão feitos apenas com SF0,9% e solução antisséptica, devendo-se evitar a oclusão;

6. Fazer a profilaxia para tétano, conforme a recomendação vigente.

TIPOS VARIADOS DE ACIDENTES CAUSADOS POR OUTROS ANIMAIS PEÇONHENTOS

ACIDENTES ESCORPIÔNICOS: os escorpiões são animais de terra firme, com preferência por ambientes quentes e áridos, onde podemos encontrar grande diversidade de espécies. Alimentam-se de pequenos insetos e aranhas. Em cativeiro, podem atacar outros escorpiões. Vivem sob pedras, madeiras, troncos em decomposição. Alguns se enterram no solo úmido da mata ou areia. Podem viver no peridomicílio ocultados por entulhos. O gênero Tityus é o mais rico em espécies, que ocorrem desde o sul dos EUA até a Argentina. No Amazonas, os acidentes são causados principalmente por: T. silvestris, T. cambridgei, T. metuendus. Os acidentes ocorrem em maior freqüência em indivíduos do sexo masculino, sendo mais comum nas extremidades. Acidentes graves apresentam alta letalidade, principalmente em crianças menores de sete anos e idosos acima de 60 anos. Nesses casos é fundamental a precocidade do atendimento e rápida instituição da terapêutica com o soro anti-escorpiônico. O veneno tem ação neurotóxica e os casos mais graves podem evoluir com choque neurogênico. Os pacientes queixam-se de dor local seguida por parestesia, mas podem apresentar náuseas, vômitos, agitação psicomotora, sudorese, hipotermia, hipotensão ou hipertensão arterial e dispnéia. Casos ainda mais graves podem apresentar sinais de comprometimento do sistema nervoso central (convulsões, edema, dislalia ou diplopia), insuficiência renal ou edema agudo de pulmão. O uso do soro anti-escorpiônico (SAEs) deve seguir as mesmas orientações do uso de outros soros heterólogos.

ACIDENTES LEVES: dor local, às vezes com parestesia; não administrar soro anti-escorpiônico (SAEs). Observar o paciente por 6 a 12 horas;

ACIDENTES MODERADOS: dor local intensa, manifestações sistêmicas como sudorese discreta, náuseas, vômitos ocasionais, taquicardia, taquipnéia e hipertensão leve; administrar 2 a 3 ampolas de SAEs IV;

ACIDENTES GRAVES: além dos sinais e sintomas já mencionados, apresentam uma ou mais manifestações como sudorese profusa, vômitos incoercíveis, salivação excessiva, alternância entre agitação e prostração, bradicardia, insuficiência cardíaca, edema pulmonar, choque, convulsões e coma; vômitos profusos e incoercíveis preconizam gravidade; administrar 4 a 6 ampolas de SAEs IV.
ARACNEÍSMO: são acidentes causados por aranhas. Muito comum na Amazônia. No Brasil, cerca de 95% dos acidentes são notificados nas Regiões Sudeste e Sul. O tratamento específico é dispensável na maioria dos casos, sendo, portanto, restrita a sua indicação. As aranhas são animais de hábitos noturnos, sendo causas de acidentes no peri e intradomicílio, onde co-habitam com o homem. Os principais gêneros são: Phoneutria (aranha armadeira), Loxosceles (aranha marrom), Latrodectus (viúva-negra) e Lycosa (tarântula). Merece destaque o gênero Loxosceles, que é uma aranha pequena, doméstica, sedentária e mansa, agredindo apenas quando é espremida contra o corpo. Causam acidentes graves, com aspecto necrosante, devido à ação proteolítica do veneno. A lesão é evidenciada até 36 horas após a picada. Forma-se uma placa infiltrada, edematosa, com áreas isquêmicas entremeadas de áreas hemorrágicas. Pode evoluir para necrose seca e úlcera de difícil cicatrização. Paciente portador de deficiência de G6PD podem apresentar febre, anemia e hemoglobinúria. O tratamento deverá contemplar medidas de suporte e o soro anti-loxoscélico (5 a 10 ampolas IV).

ICTISMO: são os acidentes causados por peixes. São muito comuns na Região Amazônica, especialmente os causados por arraia. Evoluem com dor intensa local, sangramentos, edema, sudorese, náuseas e vômitos. O tratamento consiste em limpeza do local afetado com água ou SF0,9% e imersão em água morna (a ictiotoxina é termolábil). Na persistência de dor pode-se usar Tramadol. Pode ser necessário debridamento cirúrgico da lesão, com posterior profilaxia para tétano.

HIMENOPTERISMO: são os acidentes causados por vespas, abelhas, marimbondos (cabas) e formigas. As manifestações clínicas são conseqüentes à ação da peçonha contida no ferrão. Pode ter uma ação bloqueadora neuromuscular e hemolítica (observada em casos de picadas múltiplas). Após a picada surge dor intensa, eritema e linfangite. Pode evoluir com torpor, agitação, metemoglobinúria, icterícia, insuficiência renal aguda e ainda choque anafilático. A conduta consiste em observar os sinais vitais, promover analgesia sistêmica ou local, utilizar anti-histamínicos por 3 a 5 dias e retirar os ferrões por raspagem (bisturi, lâmina de barbear ou faca) para evitar a inoculação do veneno neles contido.

ERUCISMO: são acidentes causados por lagartas e taturanas com pêlos urticantes que, ao serem tocados, liberam substância tóxica semelhante à histamina e serotonina. Ocorre dor local por vezes intensa, eritema, edema, mal-estar, náuseas, e vômitos e hiperalgesia. Há lagartas que podem causar acidentes hemorrágicos (Lonomia sp.). O tratamento é sintomático, com analgesia e anti-histamínicos. O soro anti-lonômico não está disponível em nosso meio.

FONTE:
Alcidéa Rêgo Bentes de Souza

Antônio Magela Tavares
Paulo F.Bührnheim (In Memoriam)

LEITURA SUGERIDA

1. AMARAL, C.F.S.; BUCARETCHI, F.; ARAÚJO, F.A.A.; et al. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Fundação Nacional de Saúde. Ministério da Saúde: 131p., 1988.

2. SOUZA, A.R.B.; BÜHRNHEIM, P.F. Dez casos de acidente laquético atendidos no IMT-AM, de 1986 a 1996. Rev Soc Bras Med Trop, n. 32, Sup.I, p.388-89, 1999.

3. SOUZA, A. R.B. Acidente por Bothrops atrox (Lin.,1758) no Estado do Amazonas: estudo de 212 casos com identificação da serpente. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências da Saúde/Universidade do Amazonas, Amazonas.

4. PARDAL, P. P. O.; YUKI, R. N. Acidentes por animais peçonhentos: manual de rotinas. Belém, Editora Universitária. 40 p., 2000.
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