ACIDENTE
DE TRABALHO: O QUE O PSICÓLOGO TEM A VER COM ISSO?
Responda rápido: qual a explicação
mais comum sobre as causas de um acidente sofrido por um trabalhador? “Falha humana”
(claro). Em alguns casos pode ser também: “falta de atenção”. E em outros
ainda: “pessoa problemática, não é a primeira vez”. Ora, se grande parte das
análises de “causas” e investigações de acidentes de trabalho remetem à
aspectos humanos do processo de trabalho como atenção, concentração,
personalidade, conhecimento, delineia-se um campo de atuação profícuo para o
psicólogo no que refere ao acidente de trabalho e uma área de conhecimento a
ser desenvolvida.
Demonstrar a importância da
psicologia aplicada ao acidente de trabalho é uma das características da obra
“Acidentes de trabalho – fator humano, contribuições da psicologia do trabalho,
atividades de prevenção”, do psicólogo José Augusto Dela Coleta, publicada pela
Editora Atlas em 1991. Num exercício de articulação entre a sua experiência
profissional e significativa produção como pesquisador, Dela Coleta sistematiza
descobertas realizadas sobre os fatores que influenciam na ocorrência de
fatalidades em outros países e em outros momentos históricos até o período no
qual a sua obra foi publicada.
No que refere a natureza do fenômeno
acidente de trabalho, um dos conceitos utilizados para defini-lo é postulado
por Zocchio em 1971, citado por Dela Coleta (1991, p.16), que afirma que o
acidente pode ser definido por “todas as ocorrências não programadas, estranhas
ao andamento normal do trabalho, das quais poderão resultar danos físicos e/ou
funcionais ou morte ao trabalhador e danos materiais e econômicos à empresa”.
Por meio dessa conceituação é possível perceber que o acidente de trabalho é um
fenômeno multideterminado e caracteriza-se como um evento súbito, inesperado e,
até certo ponto, imprevisível. Uma das características do estudo deste fenômeno
é o fato de que o pesquisador raramente é o observador e, se o é, acaba por
tornar-se também um participante do ponto de vista afetivo, tendo sua percepção
influenciada por emoções e imagens decorrentes da experiência. Isso, somado a
sua complexidade, define a necessidade de redobrar cuidados metodológicos no
seu estudo de modo a garantir níveis máximos de confiabilidade e generalidade
das descobertas sobre ele.
O principal meio proposto por Dela
Coleta para minimizar as dificuldades metodológicas do estudo do acidente é
estimular o volume de pesquisas sobre esse fenômeno, para que a riqueza do
conhecimento produzido auxilie na análise dos fatores envolvidos na ocorrência
de um acidente de trabalho e nas suas conseqüências. Ele demonstra ter tomado
“ao pé-da-letra” essa sua proposta uma vez que seu livro é ilustrado por
referências de pesquisas de sua autoria (nos mais diversos segmentos de análise
do fenômeno) e por comentários de encerramento dos capítulos nos quais, sem
exceção, o autor recomenda o estudo de aspectos explorados, convidando o leitor
a empreender descobertas nesse campo.
O teor das pesquisas produzidas e
apresentadas pelo autor e a forma como discute os temas relacionados ao
acidente e a contribuição da Psicologia para a sua prevenção demonstra a
importância do profissional da Psicologia vivenciar o campo da segurança
industrial e conhecer, para além dos textos, a sua concretude. Conhecer com
profundidade a realidade dos acidentes amplia as perspectivas do pesquisador
sobre os aspectos humanos envolvidos e contribui para a melhor articulação do
conhecimento produzido com as propostas de intervenção para sua prevenção.
Estudos como os de Schorn (1925),
Dunbar (1944), Ombredane e Faverge (1955), Davis e Mahoney (1957), Hersey
(1936), Kerr (1957), Dela Coleta (1979) e outros citados pelo autor, apresentam
a Psicologia como uma das áreas produtoras de conhecimento sobre a ocorrência
de acidentes desde as primeiras descobertas científicas relacionadas ao
trabalho. Estudiosos e teóricos como Freud (1948) e Adler (1941) já discutiam
as características de “personalidade” envolvidas na produção das fatalidades. A
importância da participação da Psicologia, como área de conhecimento, se dá
também pelo fato de que as intervenções para a prevenção da ocorrência dos
acidentes requerem humanização do trabalho e valorização do trabalhador, campos
reconhecidos histórica e cientificamente como de atuação do psicólogo nas
organizações de trabalho.
Dela Coleta sistematiza, além do
investimento na apresentação e discussão do conhecimento produzido, sugestões
de ações para a prevenção, princípios importantes em saúde e segurança e as
contribuições da psicologia do trabalho para a prevenção dos acidentes
demonstrando, ao articular as linhas de análise apresentadas, a amplitude da
aplicabilidade daqueles conhecimentos à serviço da prevenção dos acidentes de
trabalho.
A obra de Dela Coleta é um raro
esforço da Psicologia brasileira em três sentidos: 1) o de demonstrar sua
importância no cenário da produção científica e nas investigações sobre o
fenômeno do acidente de trabalho; 2) o de demonstrar para os psicólogos do país
a necessidade de produzir conhecimento científico sobre o fenômeno; 3) e o de
reafirmar presença do profissional da psicologia neste campo de atuação
profissional, ocupado de forma tão tímida. Em última análise, a obra de Dela
Coleta proporciona ao leitor argumentos suficientes para que este conclua a
leitura entendendo o que o psicólogo e os acidentes de trabalho podem e tem em
comum e a vislumbrar o quanto ainda precisa ser feito.
Apesar de ter sido publicada em
1991, é indiscutível a atualidade da obra como referencial de conhecimento
científico nacional e internacional sobre acidentes de trabalho. Ao apresentar
sua produção e sistematizar conhecimentos, Dela Coleta oferece ao aluno e ao profissional
da psicologia que estiver iniciando ou aprofundando sua jornada na área da
Psicologia da Segurança no Trabalho, a origem dos estudos científicos, a
problemática da investigação do fenômeno e as principais aplicações desses
conhecimentos na prática da prevenção dos acidentes de trabalho. É um passeio
indispensável para aqueles que desejam conhecer e aventurar-se pela luta diária
contra o inesperado que, ao ser examinado com alguma profundidade, se mostra
cada vez mais previsível e passível de ser evitado.
fonte: Juliana Zilli Bley - Psicóloga. Mestre do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, linha de pesquisa “Processos organizacionais, trabalho e aprendizagem”.
Olga Mitsue Kubo - Psicóloga. Professora-orientadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
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