A solidariedade no trabalho e
nas interações humanas cooperativas: estudo das relações de produção.
Resumo: Analisar o tipo de relação humana que se estabelece em uma
sociedade, mais especificamente, no ambiente de trabalho, envolve tanto os
aspectos psicossociais quanto os econômico-culturais.
Os impactos sofridos
pelos indivíduos nas interações sociais competitivas fazem com que o outro seja
visto não como uma potencialidade para si mesmo, mas como uma ameaça às suas
pretensões pessoais. Por outro lado, as relações cooperativas permitem, além da
aceitação das diferenças e da auto-reflexão, o desenvolvimento de uma cultura
mais associativa, portanto, mais solidária.
No primeiro caso, a dominação de um
homem pelo outro, reduzindo este a um meio para a consecução dos fins daquele,
marca as relações de trabalho. Inversamente, a adoção do trabalho cooperativo é
a assunção da igualdade intrínseca entre os homens.
Este artigo pretende, de
maneira crítica, abordar as atuais relações de trabalho capitalistas –
apontando as suas contradições e limites para a emancipação do homem – e as
interações de trabalho cooperativas – indicando as suas potencialidades para a
individuação e maior socialização do trabalhador. Para contrastar essas formas,
além da revisão teórica, analisaremos o depoimento de um cooperado.
Introdução
Tem-se utilizado a
palavra solidariedade, atualmente, indiscriminadamente, seja pelas campanhas
publicitárias, para promover um produto ou serviço, seja pelas governamentais,
para destacar as ações do Governo Federal, que mobiliza, inconseqüentemente,
uma restrita parte da população brasileira para participar de programas
notoriamente assistencialistas.
Contagiados e
apoiadores de algumas dessas ações estão outros agentes que propalam tal
discurso: as instituições privadas. A fim de colocar em evidência a sua marca
para os stakeholders[1],
abarcar novos consumidores e, conseqüentemente, ampliar o seu market share[2],
envolvem-se em causas sociais, tais como campanhas de alfabetização de adultos
e crianças, ações contra a fome, entre outras, e vão à mídia divulgar os seus
feitos.
A primeira indagação que vem é:
será que essas práticas são, de fato, ações solidárias? Se conseguirmos superar
essa primeira questão, a seguinte se coloca: é possível a ação solidária de
empresas que possuem práticas não solidárias, ou ainda, opressoras, em suas
atividades internas? Finalmente, e tanto mais intrigante, vem a dúvida: é
possível a convivência entre práxis tão distintas como solidariedade e
capitalismo?
Esta última
questão evidencia um oxímoro entre duas formas de relacionamento humano: a
primeira tem na cooperação um instrumento para a consecução de fins
particulares e comuns, sem que haja anulação de um ou de outro; e a outra se
vale da competição para se atingir objetivos particulares, sem maiores considerações
aos impactos gerados nos diversos agentes envolvidos.
Logo, as ações
nomeadas solidárias, sejam aquelas praticadas pelo Governo Federal sejam as
realizadas pelas instituições privadas, parecem seguir essa mesma lógica do
sistema capitalista. Ou seja, uma maneira de evidenciar uma imagem construída,
não pelas ações a partir da cultura, mas pela manipulação de discurso solidário
engajado, fazendo dos movimentos socialmente carentes uma estratégia
mercadológica, seja para votos seja para produtos, o que, para Joseph A. Schumpeter, pertence à mesma fôrma.
Outras tantas
questões poder-se-iam levantar e tantos outros encaminhamentos poderiam ser
formulados. Entretanto, neste artigo, ater-me-ei à observação de o que se vem
fazendo nas relações internas de trabalho, a partir de uma discussão mais
histórica dessas relações e de suas transformações, procurando explorar um
pouco mais a segunda indagação explicitada acima.
Para tanto,
iniciarei a discussão resgatando as formas de trabalho artesanais e industriais,
destacando as relações entre os trabalhadores, os proprietários dos meios de
produção e as máquinas. Farei, ainda, uma discussão com diversos autores que
trazem formas opressivas e alternativas de trabalho, ilustrando, esta última,
com a prática das cooperativas solidárias, através de depoimentos de um
cooperado, e as hipóteses desenvolvidas por Paul Singer, da FEA-USP.
Finalizarei a
minha discussão, pretendendo estimular o leitor uma reflexão acerca do que se
entende por solidariedade em suas diversas práticas e como se torna difícil
aceitar tal definição ao que vem sendo feito no setor, principalmente, privado.
Vale dizer que
o artigo aqui apresentado não tem um caráter maniqueísta, muito menos
unidimensional. Isso porque as contradições internas analisadas trazem um
cenário multifacetado e complexo, não possuindo resposta única, nem mesmo com o
auxílio de diversas ferramentas de análise estatística.
O trabalho
artesanal, da maneira como descreveremos a seguir, surgiu após diversas
mudanças, tanto social quanto moral, da definição de trabalho. Se nos voltarmos
às definições clássicas do termo, aparecendo após o nascimento da propriedade
fixa, o trabalho, ou melhor definido, o labor era uma atividade praticada somente
pelos escravos.
Isso porque,
segundo Arendt (1981), “os antigos (...) achavam necessário ter escravos em
virtude da natureza servil de todas as ocupações que servissem às necessidades
da manutenção da vida”. E continua afirmando que “laborar significava ser
escravizado pela necessidade, escravidão esta inerente às condições da vida
humana”.
Em seguida,
Arendt (1981) traz outros argumentos à afirmação dizendo que “é típico de todo
labor nada deixar atrás de si: o resultado do seu esforço é consumido quase tão
depressa quanto o esforço é despendido”.
Ora, se laborar
relaciona-se com as necessidades e consumo imediatos, como o produto final de
um processo produtivo poderia gerar lucro na modernidade?
É daí que
surge a diferença, explícita em Arendt e implícita em Karl Marx, entre labor e
trabalho. Marx entende o trabalho com sendo “o metabolismo do homem com a
natureza” em cujo processo, “o material da natureza é adaptado, por uma mudança
de forma, às necessidades humanas”. (Arendt, 1981)
Mills (1951),
citando Marx, afirma que a essência do ser humano está no seu trabalho, sendo
que aquilo que os indivíduos são coincide com o que produzem e com a maneira de
produzir.
Apropriando-nos
destas definições, podemos iniciar a nossa análise da produção artesanal, que
se caracteriza pela produção autônoma do homem, em diversos aspectos:
instrumentos de produção, tempo de produção, relações com outros produtores,
relação com o produto final da produção, entre outros.
Marx, em Maquinaria e Indústria Moderna, traz a idéia
de artesanato como o homem possuindo os meios de produção e sendo a força
motriz do processo produtivo. A relação do homem com o instrumento de
fabricação era de tal proximidade que o mesmo poderia, caricaturalmente, ser
uma extensão dos membros humanos.
Obviamente,
analisando o movimento “ludista” de quebra de máquinas pelos proletários,
torna-se evidente a separação do homem de seu instrumento de produção quando do
surgimento das indústrias modernas, às quais discutirei ao longo deste artigo.
Mills (1951)
concorda que o “trabalho do artesão é, portanto, um meio de desenvolver a sua
habilidade e, ao mesmo tempo, um meio de desenvolver a si próprio como homem”.
A utilização
dos instrumentos de produção para desenvolver a si pelo trabalho realizado vai além
de apertos de parafusos, porcas e botões sistemática e ordinariamente
cadenciados dos movimentos, que reduz a significação do trabalho “a um
sacrifício de tempo, necessário para construir uma vida exterior a ele”.
(Mills, 1951)
Diferentemente,
o trabalho “do artesão é a base de sua vida; ele não procura no lazer a evasão
para um domínio separado do trabalho; traz para seus momentos de descanso os
valores e as qualidades desenvolvidos e empregados nas horas de trabalho”.
(Mills, 1951)
Podemos aqui
aproximar o conceito de lazer de Mills ao de Friedmann (1960):
Já em relação
à liberdade, o trabalhador artesanal é “livre para começar o trabalho de acordo
com os seus planos, e durante a atividade há liberdade para modificar sua forma
e técnica de criação”. (Mills, 1951)
A indústria
moderna expropriou tal liberdade do homem. Além de a maquinaria, segundo Marx
(1987) ser “o meio mais potente para prolongar a jornada de trabalho além de
todos os limites estabelecidos pela natureza humana”. E continua afirmando que
“antes de tudo, o movimento e a atividade do instrumental de trabalho se
tornam, com a maquinaria, independentes do trabalhador”.
Adorno e
Horkheimer (1969), aludindo à separação do homem de seus instrumentos de
produção e ao surgimento da indústria moderna, afirmam que “a divisão do
trabalho, em que culmina o processo social de dominação, serve à
autoconservação do todo dominado”. E continuam destacando que “dessa maneira,
porém o todo enquanto todo, a ativação da razão a ele imanente, converte-se
necessariamente na execução do particular”.
Esses autores
imediatamente supracitados trazem outra perspectiva às idéias de Marx, porém
com duas reflexões muito marcantes. A primeira refere-se ao conceito de divisão
de trabalho como uma maneira de fragmentação da força produtiva do indivíduo,
que se torna meio para a consecução de objetivos, ou fins, particulares dos
detentores dos meios de produção. A segunda, mediada pela primeira, é que, ao o
indivíduo perder sua autonomia produtiva, conforme consideramos anteriormente,
e passar a pertencer a um fragmento do processo, ele promove uma autoconservação
da dominação sobre si e sobre os outros trabalhadores.
Neste ponto,
encontramos uma outra característica fundamental do modo capitalista de
produção, além da competitividade, que é a existência desigual de poder,
distribuído ao longo das atividades produtivas. Marx, classicamente,
personifica tal desproporção nos detentores da força de trabalho e nos
proprietários dos meios de produção. Ou, mais comumente, os primeiros compõem a
classe proletária e os últimos, a burguesia.
Finalmente,
para Mills (1951), “o trabalho implica também diferentes tipos de poder sobre
as matérias, os instrumentos e as máquinas e, mais importante hoje, sobre as
pessoas”.
Trabalho e
cooperação
Conforme se
viu anteriormente, o homem não só foi expropriado de seus meios de produção,
como também do significado de seu trabalho e, finalmente, submetido a condições
de não autonomia e de dependência dos proprietários dos meios de produção.
Cabe, nesta
etapa, tecer algumas ressalvas. Primeiramente, sabe-se que a passagem da
produção artesanal para a industrial não ocorreu de maneira estanque, mas
processual, coexistindo, ainda hoje, embora preponderantemente esta última, os
dois tipos de modo de produção.
Por outro lado, faz-se
necessário esclarecer, para maior abrangência deste artigo e para evitar
romantismos, que o modo de produção artesanal trazia também suas contradições
internas e que não foram superadas para a sua larga manutenção: pequena
capacidade produtiva (em volume), trabalho intenso e desgastante (fisicamente),
altos custos de produção, lenta e restrita transferência de conhecimento do
mestre-artesão ao aprendiz e centralização de decisão e ação na figura do
primeiro.
Entretanto,
esse poder nas mãos do mestre-artesão não se compara ao relato de Weil (1941),
quando diz que “o operário, embora indispensável para a fabricação, não conta
quase nada nessa produção; por isso”, continua, “cada sofrimento físico
inutilmente imposto, cada falta de consideração, cada brutalidade, cada
humilhação, ainda que leve, parece-lhe um lembrete de que ele não é nada e não
está em sua casa”.
Ora, no
trabalho artesanal a casa e o local de trabalho fundiam-se. Em Weil (1960),
percebe-se que chega a existir um antagonismo entre essas duas esferas. Na
fábrica, continua Weil (1960), “nenhuma intimidade liga os operários aos
lugares e aos objetos entre os quais a sua vida se esgota, e a fábrica faz
deles, e em sua própria terra, estrangeiros ou exilados, desenraizados”.
Claro está que
qualquer forma diferente da competição fica excluída das relações de trabalho
entre os proletários. Contrariamente, no artesanato, a cooperação interna ao
sistema de produção torna-se essencial para o desenvolvimento efetivo do
trabalho.
E, por
cooperação entendemos, a partir de leituras de Candido (1960), como sendo a
obrigação bilateral como “elemento integrante da sociabilidade do grupo, que
desta forma adquire consciência de unidade e funcionamento”.[3]
A cooperação,
desta forma, deve prescindir o poder, pois a mútua intervenção individual deve
ter um caráter livre e autônomo, não induzindo ao pensamento de ser uma forma
de “organização desorganizada”. Ao contrário, nos festejos caipiras[4],
“toda esta gente[5] se
recruta no bairro, cuja população é levada, deste modo, não apenas a convergir
para a capela periodicamente, participando das rezas, dos leilões e das
relações correntes, mas, ainda, a assumir encargos no interesse da coletividade
dispersa, e unida por semelhantes práticas”. Candido (1960)
Aproximando-se
do artesanato, as formas cooperativas de organização buscam resgatar, a partir
da coletividade, o significado e a consciência do trabalho, excluídos no modo
de produção capitalista.
Surge,
portanto, um novo modo de organização do trabalho, que resgata as antigas
formas da relação artesanal, e vai além, superando as regressivas interações de
poder capitalista e possibilitando a socialização, autonomia e individuação do
sujeito: as formas autogeridas de trabalho.
Cultura,
Autogestão e Solidariedade
Não posso,
antes de dar continuidade a este artigo, deixar de explorar a dificuldade
existente na transição, ou ainda transformação, cultural da perspectiva
capitalista ou explorador das relações humanas no trabalho e do olhar
cooperativo ou socialista das mesmas.
Isso porque,
desde os nossos primeiros contatos sociais, principalmente nas escolas ou
ambientes culturais distintos da família, ou mesmo nessa, a lógica da
competição e do sucesso permeia as relações sociais da criança. Haja vista, as
brincadeiras ou mesmo diversões a que somos expostos: competições em jogos, em tarefas
escolares, nos brinquedos eletrônicos, nos grupos de colegas etc.
Uma vez que, segundo Lewin
(1978) “as diferenças de conduta, tal como existem hoje entre os homens
brancos, pretos ou amarelos, não são inatas”, mas adquiridas, as “divergências
da norma social também” as são. Nesse mesmo contexto,
Mead (1935), analisando
os comportamentos masculinos e femininos de diferentes povos - os Arapesh, os
Mudugumor e os Tchambuli – constata que “se aquelas atitudes temperamentais que
tradicionalmente reputamos femininas – tais como passividade, suscetibilidade e
disposição de acalentar crianças – podem tão facilmente ser erigidas como
padrão masculino numa tribo (...) não nos resta mais a menor base para
considerar tais aspectos de comportamento ligados ao sexo”.
Em seguida, a Mead
(1935) enfatiza que as diferenças culturais existentes entre indivíduos da
mesma e de diferentes culturas “devem ser atribuídas quase inteiramente às
diferenças de condicionamento, em particular durante a primeira infância, e a
forma deste condicionamento é culturalmente determinada”. Ou seja, o que os
autores trazem é que os grupos de referência do indivíduo influenciar-lhe-ão as
condutas atuais e futuras, com efeito, enquanto tais constrangimentos se
mantiverem inconscientes.
Para ilustrar
tal excerto, inicio a análise de uma exposição feita por um cooperado, chamado
Assis*, trabalhador de uma cooperativa solidária situada em São Paulo, que
passou pela transição entre a empresa capitalista para a autogestão, no momento
em que os funcionários a assumiram após diversas contendas com a antiga
proprietária.
Inicialmente,
afirma Assis, havia ausência de cooperação entre os funcionários, que eram mal
tratados pela proprietária, não lhes dando voz nem espaço para atuar. A relação
entre eles era competitiva e sem muita aproximação pessoal, a não ser por raras
cenas de solidariedade, quando ele, Assis, era alimentado, fora das vistas da
proprietária, pela cozinheira, pois não lhe era permitido ter refeições no
local de trabalho, a fim de conter despesas.
Analisando
esse primeiro depoimento, podemos aproximar a forma individualista e
competitiva do ambiente dessa empresa, com o que expusemos acima. Ou seja, o
espaço de trabalho era dominado pela proprietária, que não se preocupava com as
necessidades do grupo, mas com as suas. A busca pelo lucro fazia com que os
funcionários não se integrassem, muito menos se conhecessem, cabendo a eles
cumprirem as suas tarefas e, ao final, afastarem-se do local de trabalho.
Dentro desse
sistema de crenças, valores e hábitos, onde a cooperação é prescindida, atos
como a da cozinheira acentuam a necessidade de ajuda mútua, uma vez que era
flagrante o descaso e as péssimas relações no local de trabalho. Entretanto,
como que se anulando, os funcionários aceitavam, formalmente, tal situação, a
ponto de não as alterar ou mesmo reproduzindo-as, mantendo, assim, os seus
empregos e as precárias condições de trabalho assegurados.
Por outro
lado, os próprios pensamentos conformistas, tais como, “é assim mesmo...”, “as
coisas poderiam ser piores...”, “não há nada para ser feito...”, fecham as
lacunas, sendo fácil “compreender a razão pela qual a aceitação geral de um
fato ou uma crença poderia constituir a própria causa que impede tal crença ou
fato de jamais ser posto em dúvida” (Lewin, 1978).
Portanto, a
fim de superar as práticas competitivas e romper as crenças nesse determinismo
social, faz-se necessário, entre outras considerações, uma mudança cultural do
grupo. Ou seja, para se chegar a relações de trabalho que não sejam mediadas
pela anulação de um indivíduo pelo outro, os sujeitos sociais devem adquirir,
segundo o mesmo autor, um novo sistema de hábitos, padrões e valores, que se
traduz em um processo de reeducação.
Tal abordagem
pressupõe a aquisição de valores e conjuntos de fatos que mais tarde irão
governar o pensamento e a conduto do indivíduo, segundo Lewin. Contudo, não se
pode imaginar que esse novo aprendizado seja algo imediato ou infalível. De
certo, há uma constelação de fatores, tanto internos ao indivíduo quanto
determinados pelo meio, a ser considerados, para que a mudança cultural se
efetive ou não.
O autor cita
três dimensões psicológicas do indivíduo que devem ser vistas na tentativa de
tal reeducação: “a estrutura cognitiva – maneira de ver o mundo físico e o
social abrangendo-lhe todos os fatos, conceitos, crenças e expectativas”; as
valências e valores – atrações e aversões a grupos e a padrões grupais; e a
ação motora – grau de controle do indivíduo sobre os seus movimentos.
Voltando ao
nosso objeto de análise, a maneira como Assis e seus colegas de trabalho viam[6] o
mundo do trabalho era de agressividade e não de aprendizado, que é, este, uma
das características do artesanato.
Para Assis, os
funcionários sentiam-se responsáveis pelas suas obrigações e não pelo negócio
como um todo, muito menos pelo bem-estar de seus colegas. Essa despreocupação
refletia no trato com o cliente, que era visto como mais um empecilho à
condução de suas tarefas diárias.
Com o passar
dos dias, a situação da empresa foi tornando-se cada vez mais delicada, tanto
financeiramente quanto com os clientes e funcionários, pois a proprietária
intensificou as condutas antiéticas no trato com a empresa. Abruptamente, os
funcionários, por motivos que não convém citar neste artigo, tiveram que
assumir o controle da empresa e autogeri-la, iniciando uma profunda mudança
cultural.
Sem
experiência e com muito medo do que poderia acontecer em suas vidas, os
funcionários, com apoio do movimento estudantil da USP e da incubadora de
cooperativas dessa mesma universidade, começaram a aprender como gerir uma
empresa e como conviver em um ambiente onde a cooperação seria o arcabouço de
todas as futuras relações que se construiriam. Tal ajuda, para Paul Singer, é
fundamental no início das atividades de cooperativas isoladas.
Em princípio,
relata Assis, as pessoas não davam muita importância às sistemáticas reuniões
de grupo que deveriam ser feitas para solução dos problemas diários da empresa,
talvez por ainda terem a visão do poder que tudo decide. Com o tempo,
entretanto, foram aprendendo, por dinâmicas de grupo, discussão no dia-a-ainda
entre os funcionários, apoio e suporte externos, a ter um relacionamento de
igualdade e mais humano, segundo Assis.
Nessa
transição, da competição para a cooperação, os funcionários se viam, muitas
vezes, em grandes conflitos internos a cada um e ao grupo, desde problemas com
a administração da empresa até a superação de dificuldades pessoais em conviver
solidariamente. Assis afirma que muitas vezes, não só ele como outros
funcionários (aproximadamente 20 pessoas), pensaram em desistir, fechando as
portas e buscando o retorno ao sistema de trabalho tradicional capitalista.
Entretanto,
perceberam que poderiam superar tais adversidades e construir, de fato, uma
cultura solidária. A cooperativa, então, conseguiu transformar as pessoas,
tanto dentro quanto fora do ambiente de trabalho. Assis relata que o grupo
ajudava-lhe olhar para os seus conteúdos internos, ainda embebidos em
competição e destaque dos demais, fato que lhe ajudou interiorizar-se e
refletir sobre si mesmo.
Essa
auto-reflexão fez com que mudasse a sua conduta tanto na cooperativa como com
seus familiares, que passou a tratá-los também de maneira mais humana e com
mais igualdade.
Dentre outras
mudanças, Assis afirma que a sua forma de se expressar, de se vestir (com mais
asseio), de tratar os colegas, de encarar os clientes (não mais como
empecilhos, mas como, em muitos casos, colegas ou amigos), de resolver os
problemas para o bem do grupo e de confiar nas pessoas, mudou. Ou seja, houve
transformação na maneira de pensar e conduzir a sua vida.
Singer (1998),
também fazendo referências ao aprendizado, afirma que o desenvolvimento da
autogestão “tem de se dar por um processo de livre aprendizado, em que cada
autogestor tenha a possibilidade de abandonar a experiência e se inserir em
outro modo de produção”, respeitando a individualidade e autonomia de cada um.
Outro paralelo
que podemos estabelecer com as formas artesanais de produção é a visão do
processo. Assis relata que, diferentemente do modo capitalista existente à
época de seu ingresso na empresa, cada funcionário realiza várias funções, em
um processo de rotatividade. Ou seja, a pessoa que atende clientes no balcão em
um dia, pode ser destacada a cozinhar no posterior e a ficar no caixa em
seguida.
Isso, para
ele, faz com que cada um possa: desenvolver diferentes habilidades, conforme
trouxe Marx, quando alude ao trabalho como uma maneira de desenvolver
diferentes aptidões; tornar o dia-a-dia de trabalho dinâmico e sem rotina;
entender as dificuldades que possam existir nas diversas tarefas no trabalho;
buscar soluções conjuntas aos problemas que surgirem; ser responsável pelo
negócio e pela manutenção do grupo como um todo.
Em relação à
remuneração[7], Assis afirma
que o valor do salário de todos é o mesmo, até o da antiga gerente, agora
cooperada, que teve uma redução de mais de 50% quando da transição da empresa
capitalista para a cooperativa.
Sua permanência na empresa deveu-se, entre
outros motivos, por acreditar que os seus ganhos, pessoais e profissionais,
além dos financeiros, seriam maiores do que se voltasse a trabalhar em um
ambiente competitivo, pois teria maior participação nas decisões tanto da
empresa quanto do modo de execução de suas atividades produtivas. Após alguns
meses de trabalho, os cooperados deram-se um reajuste salarial eqüitativo, para
todos.
Logo, ocorreu, nesse processo, o rompimento da estrutura formal
hierarquizada em prol da adoção de uma estrutura horizontal participativa.
A partir do
depoimento de Assis e pela análise desenvolvida, podemos, portanto, entender
que a solidariedade ou a cultura solidária deve permear as relações de trabalho
cooperativas, de modo a resgatar a cidadania e a individuação, trazendo um novo
sentido ao trabalho[8], que não
mais se encontra apenas na tarefa executada, como também nas diferentes
experiências individuais dos trabalhadores. Tal cultura, conforme aponta Singer
e Lewin, deve ser construída pelo e no grupo, de maneira livre e democrática,
respeitando as limitações e contribuições de cada indivíduo.
Considerações
Finais
Os desafios
encontrados para que haja uma mudança social no modo de encarar a solidariedade
e praticá-la são por demais complexos e exigem, daqueles que se dispõem a
conviver de maneira cooperada e sem as formas de dominação e controle do
indivíduo, um grande esforço de superação das contradições externas e internas
a si.
O modo de
produção capitalista que, conforme vimos anteriormente, pressupõe a competição
e diversas formas de dominação do indivíduo, distancia-se, portanto, daquilo
que se depreende por viver solidariamente.
Portanto,
pode-se inferir que o que as empresas e o Governo Federal vêm tratando como
formas solidárias de interação social não traduz, em seu conteúdo, algo que se
possa chamar de solidariedade. Por um lado, porque não é algo construído
internamente ao grupo e pelo grupo. Por outro, porque não rompe a lógica
competitiva e manipuladora do sistema capitalista. Ainda, não consegue integrar
as liberdades de cada agente e estimular a individuação.
Finalmente, parece
apenas traduzir uma maneira, como dissemos na introdução, assistencialista e de
expiação por parte do poder público ou das empresas, pelo simples contato com
os desfavorecidos dos meios de produção e das oportunidades de ascensão social.
Contrariamente,
os modos de produção e de interação cooperativos buscam, permeados por
democracia, crítica, liberdade e auto-reflexão, a construção de uma nova
determinação social, pautada pelo fim da alienação e pela busca da
autodeterminação dos indivíduos, que encontrarão, no outro, não uma ameaça a
ser vencida, mas uma outra possibilidade para constituição de seu próprio eu.
O caso
utilizado para ilustrar as mudanças necessárias para a construção de tal
transformação traz inúmeros conteúdos que podem ser analisados de diferentes
formas. Escolhemos o depoimento individual para exemplificar as diversas
mudanças culturais, sociais, individuais, administrativas, entre outras, por
entender que o objeto estudo forma-se por uma constelação de fatores
inter-relacionados.
De fato, há grandes dificuldades encontradas
na cooperativa, mas o que se procura é manter a autonomia e a liberdade dos
cooperados, tendo em vista a igualdade e a solidariedade entre os mesmos, de
modo que cada um possa defender os direitos uns dos outros para construir
relações de trabalho mais humanas.
Bibliografia
CANDIDO, A. ´As formas de solidariedade´. In: O
lúdico na Cultura Solidária. Oliveira, P.S. (Org.), São Paulo, Hucitec, 2002.
FRIEDMANN, G. ´O lazer e a civilização tecnicista´. In: O lúdico na
Cultura Solidária. Oliveira, P.S. (Org.), São Paulo, Hucitec, 2002.
HORKHEIMER, M. e ADORNO, T. W. ´Conceito de Esclarecimento´. In:
Dialética do esclarecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985.
LEWIN, K. ´Conduta, conhecimento e aceitação de novos valores’. In: O
lúdico na Cultura Solidária. Oliveira, P.S. (Org.), São Paulo, Hucitec, 2002
MARX, K. ´A maquinaria e a indústria moderna. In: O lúdico na Cultura
Solidária. Oliveira, P.S. (Org.), São Paulo, Hucitec, 2002.
MEAD, M. ‘A padronização do comportamento sexual’. In Sexo e
Temperamento. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1935
MILLS, W. A nova classe média. 3ª edição, Zahar editores, 1981.
WEIL, S. ´Experiência de vida de fábrica´. In: O lúdico na Cultura
Solidária. Oliveira, P.S. (Org.), São Paulo, Hucitec, 2002.
SINGER, P. ´Autogestão e Socialismo: oito hipóteses sobre a
implantação do socialismo via autogestão´. In: O lúdico na Cultura Soliária.
Oliveira, P.S. (Org.), São Paulo, Hucitec, 2002.
[1]
Funcionários, clientes, fornecedores,
acionistas, comunidades, entre outros agentes que possuem contato direto e
indireto com a empresa;
[2]
Proporção de vendas comparativamente aos concorrentes.
[3] Antonio
Cândido, neste excerto de As formas de Solidariedade, refere-se ao trabalho
cooperativo como algo pertencente a um bairro, onde os mutirões são presentes e
necessários à socialização e manutenção do modo de vida caipira.
Reinterpretando o autor, contextualizei tal definição às relações de trabalho
internas a uma organização;
[4] Palavra
empregada para caracterizar as cidades do interior de São Paulo, estudadas por
Antonio Cândido em sua tese de doutorado;
[5] “voluntários
que se apresentam em cumprimento de promessas”. Cândido (1960)
(*) Francisco de Assis Ramalho de Souza – Cooperativa
do Sabor.
[6] Após a
apresentação e análise do depoimento de Assis, veremos que a utilização do
pretérito se mostra mais próximo à atual dinâmica de trabalho da cooperativa.
[7] A
remuneração é um dos grandes desafios enfrentados na transição da empresa de
relações capitalistas (competitivas) para as cooperativas. Logo, quando se
compara o ganho dos cooperados com outros profissionais, deve-se ir além dos
retornos salariais, ou seja, os retornos intangíveis (qualidade das relações
pessoais, participação nas decisões da cooperativa, autonomia nas atividades
executadas, extinção das hierarquias formais etc.) são igualmente importantes
nessa analogia.
[8} Notas da
aula “Cultura Solidária em Perspectiva: dimensões lúdicas das interações
sociais”, ministrada pelo Prof. Dr. Paulo de Salles Oliveira, no curso de
pós-graduação do Instituto de Psicologia da USP.
$$$ EMPREENDA, FAÇA E VENDA$$$
DIA DOS NAMORADOS
RENOVE SUA PAIXÃO E SUA RENDA
MARCADOR DE LIVROS
CULINÁRIA FÁCIL
BOLO DE CARNE COM LEGUMES...
Ingredientes
3 colheres (sopa) Azeite de Oliva Espanhol
1/2 kg patinho picado
1 cebola média picada
1 colher (chá) especiarias em pó (canela, pimenta-do-reino e cardamomo)
1 abobrinha média picada
1 bulbo pequeno de erva-doce picado
1 pimentão vermelho médio em tiras finas
1/2 maço pequeno Folhas de ervas frescas (salsinha e manjericão) picadas
Sal a gosto
PREPARO
1
Coloque no copo do processador 1 colher (sopa) de azeite de oliva,
a carne, a cebola, as especiarias e o sal. Bata até obter uma massa e
reserve.
2
Aqueça em uma panela 1 colher (sopa) de azeite de oliva. Junte a
abobrinha, a erva-doce e o pimentão.
3
Refogue, salteando de vez em quando, por 5 minutos ou até os
legumes ficarem al dente. No final, junte as ervas e tempere com sal. Retire do
fogo.
4
Com 2 colheres (chá) de azeite de oliva, unte uma assadeira para
pão de fôrma (capacidade para 1 litro), forre o fundo e as laterais com parte da
massa. Arrume o recheio e cubra com a massa restante.
5
Leve ao forno preaquecido em temperatura média (180ºC) por 25
minutos ou até a carne ficar cozida. Retire do forno.
6
Montagem: ao amornar, desenforme o bolo, corte em fatias, arrume
nos pratos e sirva com salada de folhas. Decore com vinagrete de abobrinha com
pimentão vermelho misturado com o azeite de oliva restante.
BANANA FLAMBADA
- 1 colher (chá) de manteiga (5 gramas)
- 1 colher (chá) de conhaque (5 ml)
- 1 colher (chá) de contreau
- 2 colher (sopa) de açúcar
1 copo e meio de suco de laranja 1 pedaço de casca de limão - 1 pedaço de casca de laranja
- 2 bolas de sorvete de creme
2 bananas médias
Modo de Preparo
- Esquentar a frigideira, colocar a manteiga, as cascas de limão e laranja. Dê uma mexidinha. Depois colocar as bananas e o conhaque para flambar. Acrescentar o suco, o açúcar e misturar levemente sem amassar as bananas. Dê umas furadinhas com um garfo. Deixar cozinhar por mais ou menos 3 minutos de cada lado. Quando a calda começar a engrossar, verificar se a banana está cozida. Colocar o contreau. Arrume as bananas ao redor de duas bolas de sorvete e jogar a calda por cima. Servir imediatamente.
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MENSAGEM...
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