quarta-feira, 31 de março de 2010

PESQUISA: ‘Semelhanças entre Dependência em Drogas e Compulsão por Comida Gordurosa e Calórica’

PESQUISA: ‘Semelhanças entre Dependência em Drogas e Compulsão por Comida Gordurosa e Calórica’


O mecanismo molecular que leva indivíduos à dependência em drogas é o mesmo que está por trás da compulsão pela comida, de acordo com um novo estudo realizado por cientistasnorte-americanos.

Os resultados fornecem uma explicação científica para algo que é verificado na prática por pacientes obesos há muito tempo: assim como ocorre com a dependência em outras substâncias, largar o vício por comida não saudável é algo extremamente difícil.

A pesquisa,coordenada por Paul Kenny do Instituto de Pesquisa Scripps, na Flórida (EstadosUnidos), foi publicada no último domingo (28/3) na edição on-line da revista Nature Neuroscience e em breve será veiculada na versão impressa.

Os resultados do estudo já haviam sido divulgados de forma preliminar em uma reunião da Sociedade de Neurociências, em Chicago, em outubro de 2009. Mas o artigo vai mais longe, demonstrando pela primeira vez com clareza, em modelos animais, que o desenvolvimento da obesidade coincide com a deterioração progressiva do equilíbrio químico em circuitos de recompensado cérebro.

Conforme esses centros de prazer do cérebro se tornavam cada vez menos sensíveis, os ratos utilizados no experimento desenvolviam rapidamente o hábito de comer compulsivamente, consumindo quantidades maiores de alimentos com altos teores de calorias e gordura, até setornarem obesos.

As mesmas mudanças ocorreram nos cérebros dos ratos que consumiram grande quantidade de cocaína ou heroína. Os cientistas acreditam que esse mecanismo tem um papel importante no desenvolvimento do uso compulsivo de drogas.

De acordo com Kenny, o estudo, que levou três anos para ser concluído, confirma as propriedades “viciantes” da comida “JUNK”– alimentos não saudáveis com muitas calorias e muita gordura.

“Ao contrário do resumo divulgado de forma preliminar, esse novo estudo explica o que ocorreno cérebro desses animais quando eles têm acesso fácil a altos teores de calorias e gordura. A pesquisa apresentou as evidências mais completas e convincentes de que a dependência de obesidade têm base nos mesmos mecanismos neurobiológicos subjacentes”, afirmou Kenny.

“Eles procuraram sistematicamente o pior tipo de comida. O resultado é que eles ingeriram o dobro das calorias dos ratos do grupo de controle. Quando removemos a comida junk e tentamos colocá-los em uma dieta mais balanceada, eles simplesmente se recusavam a comer”, disse Kenny.

A modificação napreferência dos ratos em relação à dieta foi tão grande que os animais passaramfome por duas semanas depois que a comida junkfoi cortada. Os animais que apresentaram um colapso nos circuitos cerebrais derecompensa foram justamente aqueles que mudaram a dieta mais profundamente,buscando a comida mais saborosa e menossaudável.

“Esses mesmos ratos também foram os que se mantiveram comendo, mesmo quando levavam choques elétricos”, disse o cientista. De acordo com Kenny, o mecanismo da dependência é bastante simples. As vias de recompensa no cérebro foram tão superestimuladas que o sistema basicamente começa a ser “ligado” espontaneamente, adaptando-se à nova realidade da dependência – seja ele a cocaína ou o bolo de chocolate.

“O corpo se adapta notavelmente bem à mudança. E esse é o problema. Quando o animal superestimula os centros de prazer de seu cérebro com comida altamente saborosa, os sistemas se adaptam a isso, diminuindo sua atividade. No entanto, nesse momento o animal requer constante estimulação pela comida saborosa a fim de evitar a entrada em um estado persistente de recompensa negativa”, explicou.

Depois de mostrar que os ratos obesos tinham, em relação à comida, um comportamento claramente semelhante ao da dependência em drogas, Kenny e sua equipe investigaram o mecanismo molecular subjacente que explica a modificação. Eles se concentraram em um receptor específico no cérebro, conhecido por ter um importante papel na vulnerabilidade à dependência química e à obesidade – o receptor de dopamina D2.

Esse receptor responde à dopamina, um neurotransmissor que é liberado no cérebro por experiências de prazer, como comida, sexo ou drogas como a cocaína. No caso do abuso de cocaína, por exemplo, a droga altera o fluxo de dopamina bloqueando sua recuperação, inundando o cérebro e superestimulando os receptores. Isso leva eventualmente a mudanças físicas na maneira como o cérebro responde à droga.

O estudo mostra que o mesmo processo ocorre quando o indivíduo está viciado em comida junk. “Essa descoberta confirma o que muita gente suspeitava: o consumo exagerado de comida muito saborosa e não saudável é um gatilho para uma resposta neuroadaptativa, semelhante à dependência, nos circuitos de recompensa do cérebro. Isso leva ao desenvolvimento de uma obesidade e à dependência de drogas”, afirmou.


***O artigo Dopamine D2 receptors in addiction-like reward dysfunction and compulsive eating in obese rats(doi:10.1038/nn.2519), de Paul Johnson e Paul Kenny e outros, pode ser lido por assinantes da REVISTA: “Nature Neuroscience”.

FONTE: 29/3/2010 Agência FAPESP

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