CÁSSIO MESQUITA BARROS
I INTRODUÇÃO
O médico italiano Bernardino Ramazzini sempre perguntava aos seus pacientes qual a ocupação que exerciam. Estabelecendo uma interrelação entre uma série de doenças e o exercício de determinadas profissões, o médico italiano, hoje considerado o pai da Medicina do Trabalho, publicou, em 1700, a obra intitulada “De Morbis Artificum Diatriba”, onde descreve uma série de doenças relacionadas ao exercício de determinadas profissões.
O ideal da Revolução Francesa liberdade, igualdade e fraternidade traduziu-se no campo trabalhista, basicamente, na consagração dos princípios da liberdade de trabalhar e da liberdade de contratar.
A liberdade de contratar, tendo em conta a abstenção do Estado, se manifestava na determinação livre dos direitos e obrigações do contrato pelas próprias partes. O contrato de locação de serviços no âmbito civil é que regulava as relações de trabalho.
A liberdade de trabalhar caracterizava-se pelo direito de associação, tendo em vista a convicção de que o sindicato interferia no equilíbrio entre a oferta e a procura, como também na liberdade individual, ao apoiar os trabalhadores, filiados ou não, a não contratar, abaixo do limite das condições mínimas de trabalho.
Conquanto tenha a obra de Bernardino Ramazzini, a primeira totalmente voltada à disciplina hoje denominada “Medicina do Trabalho”, reafirmado a interdependência entre determinadas profissões e certas doenças, o advento do liberalismo aliado à Revolução Industrial, levou a um desequilíbrio social.
Na prática, a liberdade de contratar inexistia, porque o trabalhador tinha que se submeter às condições estabelecidas pelo empregador, que era a parte economicamente mais forte. Por isso, a liberdade de contratar levava a uma intensa exploração da força de trabalho. As condições de trabalho precaríssimas, com jornadas de trabalho de duração absurda, baixos salários, péssimas condições de segurança e higiene de trabalho, utilização abusiva da mão-de-obra da mulher e do menor, levavam, inevitavelmente, a baixas condições de vida, grande risco de acidentes e de todo tipo de doenças, altíssimo índice de mortalidade e de invalidez causadas por acidentes do trabalho.
Tentando conter o acentuado liberalismo, que se traduziu em um Direito liberal individualista, surgem as primeiras concepções pregando uma intervenção do Estado nas relações de trabalho em nome do interesse coletivo. O movimento dos trabalhadores propõe a institucionalização de novos direitos.
As primeiras leis que então surgem expressam uma série de conquistas da classe trabalhadora que, não se conformando mais com condições indignas de trabalho, passam a reivindicar jornada menor de trabalho, ambientes de trabalho menos agressivos à saúde e proteção do trabalhador na velhice, na doença e na invalidez.
Otto von Bismarck criou uma série de seguros: o seguro social propriamente dito em 1881; o seguro-enfermidade em 1883; a proteção contra acidentes de trabalho em 1884; o seguro contra velhice e invalidez em 1889. A Lei de Acidentes do Trabalho foi promulgada na Itália em 1883, na Alemanha em 1884 e na França em 1898. Já antes da criação da OIT foi adotada uma convenção sobre o emprego de fósforo branco na fabricação de palitos de fósforo.
A nova consciência ambientalista em nível mundial, principalmente a partir da década de 70, proporcionou uma revisão nas concepções tradicionais de ambiente de trabalho concebidas pelo Direito da Seguridade Social e pelo Direito do Trabalho.
A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) desempenharam um papel ativo na propagação dessas novas idéias.
II. MEIO AMBIENTE, DIREITO DO MEIO AMBIENTE E MEIO AMBIENTE DE TRABALHO: CONCEITOS.
Para José Afonso da Silva, meio ambiente é“a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.” (Direito ambiental constitucional, p. 2).
Segundo essa conceituação, há três espécies de meio ambiente, a saber: meio ambiente natural ou físico (flora, fauna, mares, rios, ar atmosférico, etc);
meio ambiente artificial, que compreende o espaço urbano fechado (edificações) e o espaço urbano aberto (espaços livres em geral, como, por exemplo, praças, ruas, etc);
3. meio ambiente cultural (patrimônio artístico, histórico, paisagístico, arqueológico, etc).
José Afonso da Silva assinala que essa classificação tem finalidade apenas jurídica, considerando que os diversos aspectos do meio ambiente estão submetidos a regime jurídico diverso.
Observa ainda que, embora o meio ambiente cultural tenha sido criado pelo homem, o que o faria integrar, em princípio, o meio ambiente artificial, dessa classificação se afasta “pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou.” (ob. cit., p. 3).
Elevado simultaneamente à categoria de bem de uso comum do povo (Constituição Federal, art. 225, caput) e de patrimônio público de interesse internacional (Lei nº 6.938/81, art. 2º, I), essa mesma lei conceitua meio ambiente como sendo o“conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” (art. 3º, I).
Para Roberto Senise Lisboa, o Direito do Meio Ambiente é o ramo do Direito“que estuda a biota e as suas formas de preservação e restauração, impondo aos responsáveis pelos danos ambientais praticados a responsabilização civil, penal e administrativa.” (Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, autor, p. 414).
O homem pode criar vários tipos de meios ambientes, dentre os quais se insere o meio ambiente do trabalho. Atualmente o estudo do meio ambiente do trabalho tem um caráter interdisciplinar, porque a saúde dos trabalhadores constitui “um campo de atividades interdisciplinares, em que os aportes da engenharia, da medicina, da saúde pública, da sociologia, da psicologia, da ergonomia e de outros ramos da ciência e da tecnologia concorrem para o promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e da melhoria das condições e do ambiente de trabalho”. (Guido Ivan de Carvalho & Lenir Santos, Comentários à Lei Orgânica da Saúde: Leis ns. 8.080/90 e 8.142/0, p. 71).
Para José Guilherme Purvin de Figueiredo, “meio ambiente do trabalho é o local onde o trabalhador desenvolve a sua atividade profissional.” (Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores, p. 46)
Rodolfo de Camargo Mancuso fala em meio ambiente do trabalho como “habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para sua sobrevivência”. (A ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos, p. 59)
Conforme assinala José Afonso da Silva, a proteção do meio ambiente do trabalho é bastante complexa, porque o ambiente do trabalho é um conjunto de “bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores, que o freqüentam. Esse complexo pode ser agredido e lesado tanto por fontes poluidoras internas como externas, provenientes de outras empresas ou de outros estabelecimentos civis de terceiros, o que põe também a questão da responsabilidade pelos danos ambientais.” (ob. cit., p.5).
Vale lembrar que, diante das transformações por que passa o mundo do trabalho, seu meio ambiente não está mais adstrito ao espaço interno da fábrica ou da empresa. Segundo a atividade exercida, o meio ambiente do trabalho pode ser também o espaço urbano, uma vez que muitos trabalhadores exercem suas atividades nas ruas, como, por exemplo, os jornalistas, os condutores de transportes urbanos, os caminhoneiros, etc. É o caso ainda dos trabalhadores em domicílio, que até hoje não tiveram regulamentados seus direitos e condições de trabalho.
III. NATUREZA JURÍDICA.
A tradicional divisão entre interesse público e interesse privado ficou bastante comprometida a partir de 1974, por influência do processualista italiano Mauro Cappelletti, que entendeu haver uma categoria intermediária, que abrangeriam certos interesses metaindividuais denominados difusos, aí incluídos o direito ao ambiente natural, o direito à saúde, etc.
Para o Código de Defesa do Consumidor, interesse difuso é o “interesse transindividual, de natureza indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, I).
Já para Hugo Nigro Mazzili, interesses difusos são “interesses de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso (...) Em sentido lato, os mais autênticos interesses difusos, como o meio ambiente, podem ser incluídos na categoria do interesse público.” (apud Sá da Rocha, Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica, p. 31).
Vale assinalar que interesse difuso“não significa interesse de ninguém, e sim interesse de todos, e, pois, de cada um.” (Mancuso, Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, p. 98).
Um meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado é um direito de todos trabalhadores. Encontra-se incluído, portanto, na rol dos interesses difusos, até porque a proteção da saúde, que é um direito de todos, caracteriza-se como um direito metaindividual.
Cumpre assinalar que existem duas espécies de interesses coletivos: os difusos e os coletivos stricto sensu. Enquanto os coletivos stricto sensu têm como titular certa categoria, os interesses difusos caracterizam-se pela indeterminação do titular.
IV. POLUIÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.
Um meio ambiente do trabalho ecologicamente desequilibrado pressupõe a existência de um ou de inúmeros fatores que afetam a saúde e a segurança dos trabalhadores: produtos tóxicos, irradiações, altas temperaturas, gases, poeiras, ruídos, trabalho noturno, trabalho realizado em turnos de revezamento, etc.
Nos dias que correm, o elenco de riscos de degradação do meio ambiente do trabalho é imensurável e não se circunscreve somente à área urbana, mas se estende à área rural, pois uma grande fazenda utiliza os mesmos processos tecnológicos, químicos e biológicos de uma grande indústria. Acidentes provocados por máquinas agrícolas, doenças e casos fatais decorrentes de envenenamento por agrotóxicos são cada vez mais freqüentes na agricultura.
A doença ocupacional, que se desencadeia ou se origina de determinadas condições do meio ambiente do trabalho e com ele se relacione diretamente, é considerada acidente de trabalho para fins previdenciários (Lei nº 8.213/91, art. 20, I e II).
V. A ATIVIDADE NORMATIVA DA OIT: CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES. O PIACT. A DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO (ONU, 1972). A DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO (ONU, 1992). O PROGRAMA INFOCUS SOBRE TRABALHO EM RISCO.
O Tratado de Versalhes, de 1919, que criou a Organização Internacional do Trabalho, estabeleceu dentre suas competências, a proteção contra doenças profissionais e acidentes do trabalho.
A atividade da OIT serve como ponto de referência a toda comunidade internacional: legisladores, sindicatos de empregados e de empregadores, empresas multinacionais, organizações internacionais, organizações não governamentais.
Através de sua atividade normativa, a OIT tem desempenhado um papel fundamental na proteção dos trabalhadores contra os acidentes de trabalho e contra as doenças, profissionais ou não. Seus repertórios de recomendações práticas constituem verdadeiras diretrizes para a atividade industrial.
A OIT ressalta que o direito legislado tem um importante papel na prevenção de acidentes e doenças na agricultura dos países em desenvolvimento, enfatizando a necessidade de leis bem redigidas. No tocante à agricultura, por exemplo, entende caber a autoridades nacionais a incumbência de se responsabilizarem pelo controle da aprovação, importação, classificação e uso de produtos agrotóxicos.
Dentre as inúmeras convenções e recomendações da OIT relativas à matéria, vale citar:
- Recomendação nº 5, de 1919: criação de serviço público de higiene;
- Convenção nº 12, de 1921: acidentes do trabalho na agricultura;
- Convenção nº 13, de 1921: proibição do emprego de menores de 18 anos e mulheres no trabalho com chumbo;
- Recomendação nº 20, de 1923: princípios gerais de organização dos serviços de inspeção para garantir a aplicação das leis e regulamentos de proteção aos trabalhadores;
- Convenção nº 17, de 1925: indenização por acidentes do trabalho, aplicável a empregados e aprendizes, empresas públicas e privadas;
- Recomendação nº 28, de 1926: princípios gerais da inspeção do trabalho dos marítimos;
- Recomendação nº 31, de 1929: prevenção dos acidentes do trabalho;
- Convenção nº 27, de 1929: peso de cargas transportadas por barcos;
- Convenção nº 32, de 1932: proteção de estivadores contra acidentes;
- Convenção nº 42, de 1934: indenização por enfermidades profissionais;
- Convenção nº 62, de 1937: prescrições de segurança na indústria de construção;
- Convenção nº 61, de 1947: inspeção do trabalho na indústria e no comércio;
- Recomendação nº 99, de 1955: adaptação e readaptação profissional dos inválidos;
- Convenção nº 110, de 1958: condições de empregados trabalhadores nas plantações;
- Convenção nº 115, de 1960, e Recomendação nº 114: proteção contra radiações;
- Convenção nº 119, de 1963, e Recomendação nº 118, de 1958: proteção dos trabalhadores junto às máquinas;
- Convenção nº 120 e Recomendação nº 120, ambas 1964: conservação, limpeza, ventilação, iluminação, temperatura, produtos insalubres ou tóxicos, poluição sonora, vibrações, etc. em estabelecimentos públicos e privados;
- Convenção nº 127, de 1967: peso máximo de carga para o transporte humano;
- Convenção nº 129, de 1969: inspeção do trabalho na agricultura;
- Convenção nº 134, de 1970: prevenção de acidentes de trabalho dos trabalhadores marítimos, inclusive em navios de guerra;
- Convenção nº 136 e Recomendação nº 144, de 1971: riscos de intoxicação devidos ao benzeno;
- Convenção nº 139 e Recomendação nº 147, de 1974: prevenção e controle dos riscos profissionais causados por substâncias ou agentes cancerígenos;
- Convenção nº 148, de 1974: proteção dos trabalhadores contra riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ruído e vibrações no local de trabalho.
- Convenção nº 152 e Regulamentação nº 160, ambas de 1979: segurança e higiene nos trabalhos portuários;
- Convenção nº 159, de 1983, e Recomendação nº 168: direito das pessoas portadoras de deficiência a uma adaptação ou readaptação profissional, seja em instituições específicas, seja em postos de trabalho, ao lado de não-deficientes;
- Convenção nº 162, de 1986: utilização de asbestos e condições de segurança;
- Convenção nº 164, de 1987: saúde e assistência média aos tripulantes marítimos;
- Convenção nº 167, de 1988: segurança e saúde na construção;
- Convenção nº 170, de 1990: utilização de produtos químicos perigosos nos locais de trabalho;
- Convenção nº 174, de 1993: prevenção de acidentes industriais maiores;
- Convenção nº 176, de 1995: segurança e saúde nas minas;
A realização, em Estocolmo, da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em 1972, constituiu fator determinante para a afirmação do Direito Ambiental, quando se debateu simultaneamente aspectos do meio ambiente natural e do meio ambiente do trabalho.
Esse é o princípio nº 8 da Declaração de Estocolmo: “O desenvolvimento econômico ou social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e criar na terra condições favoráveis para melhorar a qualidade de vida.”
E o 19º enunciado se inicia com a seguinte redação: “É essencial que seja ministrada educação sobre questões ambientais às gerações jovens como aos adultos, levando-se em conta os menos favorecidos, com a finalidade de desenvolver as bases necessárias para esclarecer a opinião pública e dar aos indivíduos, empresas e coletividades o sentido de suas responsabilidades no que concerne à proteção e melhoria do meio ambiente em toda a sua dimensão humana”.
A partir desse momento, questões relativas à saúde dos trabalhadores começaram a ser tratadas pela OIT sob outro prisma: o da saúde dos trabalhadores no seu meio ambiente de trabalho, sob uma perspectiva ambiental, abandonando a visão ultrapassada do estudo das “doenças ocupacionais”.
A preocupação inicial da OIT, que se restringia à segurança física dos trabalhadores no manuseio e uso seguro de equipamentos e máquinas no local de trabalho, foi substituída e está agora centralizada em questões que envolvem saúde e meio ambiente do trabalho.
Nesse sentido, a Memória “Por um trabalho mais humano: condições e meio ambiente”, que o Diretor-Geral da OIT submeteu à reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em 1975.
Esse texto, objeto de amplo debate na Conferência, motivou a criação, em 1976, de um novo programa da OIT denominado Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho (PIACT), executado em sintonia com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A OIT justificou a necessidade desse novo programa lembrando que, apesar dos constantes esforços durante muitos anos por melhores condições de trabalho, os resultados tinham sido, muitas vezes, desencorajadores, porque continuava bastante significativo o número de pessoas que morriam em acidentes de trabalho ou contraíam doenças ocupacionais.
Acolhido favoravelmente em todos os países, os sindicatos, naquela oportunidade, aplaudiram a elaboração do PIACT, que lhes possibilitava cumprir seu papel e atuar adequadamente para a plena execução do programa.
Ressaltando a necessidade de desenvolvimento de programas de cooperação técnica sobre segurança e medicina do trabalho entre os Estados-membros, o PIACT tem como objetivos:“proteção contra os efeitos desfavoráveis de fatores físicos, químicos e biológicos no local de trabalho e no meio ambiente imediato:prevenção da tensão mental resultante da duração excessiva, do ritmo, do conteúdo ou da monotonia do trabalho;promoção de melhores condições de trabalho, visando à distribuição adequada do tempo e do bem-estar dos trabalhadores;adaptação de instalações e locais de trabalho à capacidade mental e física dos trabalhadores, mediante aplicação da ergonomia.”
A par do PIACT, foi adotada por unanimidade, em 24 de junho de 1975, resolução sobre a ação futura da OIT nessa matéria, na qual se reafirma que a melhoria das condições de trabalho e a proteção da saúde física e mental do trabalhador constituem missão essencial e permanente da OIT.
A Declaração de Estocolmo e as investigações feitas pelo PIACT deram origem à Convenção nº 155 e à Recomendação nº 164, ambas de 1981, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho.
Essa Convenção, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29.9.94, determina que os Estados formulem, consultadas as organizações de empregadores e trabalhadores, “uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e de meio ambiente de trabalho”, promovendo sua execução.
Estabelece, em seu art. 14, a necessidade de adoção de medidas “no sentido de promover, de maneira conforme a prática e as condições nacionais, a inclusão das questões de segurança, higiene e meio ambiente de trabalho em todos os níveis de ensino e de treinamento, incluídos aqueles de ensino superior técnico, médico e profissional, com o objetivo de satisfazer às necessidades de treinamento de todos os trabalhadores.”
Cumpre assinalar a importância e a inovação trazidas pelo PIACT e pela Convenção nº 155, que ampliaram, segundo Sussekind, “o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que pode ser gerada no estabelecimento industrial.”
Depois de lembrar que o direito à segurança e à higiene no trabalho se inclui dentre os direitos humanos (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas), porque todo ser humano tem direito à vida e à integridade física, Arnaldo Sussekind alerta para as conseqüências que podem advir de um meio ambiente de trabalho em desequilíbrio:“Assim como repercute no local de trabalho condições adversas do ambiente de trabalho imediato, também os efeitos de inadequados sistemas de produção e, por vezes, de certos sinistros ocorridos em estabelecimentos industriais podem alcançar áreas muitos distantes. Em Three-Mile Island, Chernobil, Bhopal e Sandoz, os riscos foram muito além do ambiente de trabalho, atraindo a atenção universal por terem invadido o meio ambiente geral.” (Instituições de direito do trabalho, v.2, p. 929).
Convenção igualmente importante da OIT é a de nº 161, de 1985, sobre serviços de saúde no trabalho, a serem criados pelos poderes públicos, por uma empresa, um grupo de empresas, ou por uma combinação entre elas.
Na preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), a OIT participou de forma atuante dos debates sobre meio ambiente do trabalho, produtos químicos perigosos, meio ambiente e desenvolvimento, educação, formação e conscientização, etc.
A Declaração do Rio de Janeiro (ONU-1992) defendeu o princípio do desenvolvimento sustentado, ao consagrar no seu 3º que“O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer às necessidades relativas ao desenvolvimento e ao meio ambiente das gerações presentes e futuras”.
Tendo por base as decisões tomadas na Rio/92 e na Agenda 21, a OIT realizou uma reunião tripartite consultiva sobre meio ambiente e o mundo do trabalho. Nessa reunião, foram aprovados os seguintes itens que deverão orientar a atuação da OIT para o futuro. São eles:apoiar mandatários, trabalhadores e respectivos sindicatos para que possam atuar de forma efetiva nas questões que envolvem meio ambiente e desenvolvimento sustentado;
inserir nos seus principais programas, inclusive nos programas de cooperação técnica, questões de meio ambiente e desenvolvimento sustentado, sobretudo naqueles que dizem respeito a condições de trabalho e atividades de educação e formação;
colaborar com as demais instituições das Nações Unidas, bem como com outras instituições internacionais e regionais que se dediquem ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentado.
A OIT tem se direcionado através de todos os seus meios, seja pela ação normativa, seja por programas de cooperação técnica e de investigação, sobretudo em temas ligados a emprego, formação profissional e condições de trabalho, no sentido de se traçar uma estratégia mundial para a criação de um desenvolvimento sustentável de base ampla, conforme assinalado na 86ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1988, que aprovou a Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, numa de suas raras declarações sem votos contrários. Essa Declaração, segundo Michel Hansenne, é uma verdadeira plataforma social mínima de âmbito mundial, diante da realidade da globalização da economia.
Ironicamente, os progressos tecnológicos acarretaram a diminuição de alguns riscos, mas acabaram criando outros. Surgem novas enfermidades profissionais e os acidentes de trabalho continuam ocorrendo de forma acentuada. Em particular tem-se pensado em novos instrumentos sobre outros agentes agressivos do meio de trabalho (amianto, pesticidas e herbicidas na agricultura e poeiras na indústria), assim como a adoção de uma norma de conjunto sobre uma ação tendente a reduzir os acidentes de trabalho e as enfermidades profissionais.
Como se verifica através do histórico de suas convenções e recomendações, a OIT permanece alerta com os progressos tecnológicos e o aparecimento de novos agentes ambientalmente agressivos.
Vale lembrar que, em dezembro de 1999, a OIT apresentou o “Programa Infocus sobre Trabalho em Risco”, dirigido a ocupações perigosas, a trabalhadores que realizam atividades muito perigosas, a categorias de trabalhadores vulneráveis por seu sexo ou idade e aos do setor urbano não estruturado, que normalmente não têm proteção básica à sua saúde. Esse programa tem por principais objetivos: 1. fazer um alerta, em nível mundial, para o problema dos acidentes, lesões e doenças relacionadas ao trabalho, suas causas e conseqüências;
2. promover uma proteção básica a todos os trabalhadores, segundo as normas internacionais do trabalho, enfatizando caber aos Estados-Membros e à indústria planejar e aplicar políticas e programas de prevenção e proteção eficazes.
VI. A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS).
Em 1945, por proposta do Brasil e da China, a Conferência Internacional das Nações Unidas, reunida em São Francisco, aprovou a criação de uma nova organização internacional autônoma de saúde. Em 1946, a Conferência Internacional de Saúde realizada em Nova Iorque aprova a Constituição da Organização Mundial de Saúde, que entra em vigor em 7 de abril de 1948.
Documento elaborado pela Organização Mundial de Saúde denominado “Desenvolvimento Sustentável e Ambientes Sadios - Proteção do Meio Ambiente Humano”, lembra que o meio ambiente do trabalho é o lugar onde a pessoa passa a maior parte de seu tempo.
Além de diversos do meio ambiente em geral, os riscos à saúde são ainda maiores no meio ambiente do trabalho porque esses espaços são restritos. Acidentes, problemas ósseos, problemas musculares, problemas reprodutivos, câncer, lesões oculares, surdez, doenças cardiovasculares, doenças mentais e neurológicas, etc. são constantes no meio ambiente do trabalho.
Os números das pesquisas são alarmantes. A OIT e a OMS estimam a ocorrência de 250 milhões de acidentes de trabalho por ano, sendo 330 mil fatais. Há atualmente mais de cem mil diferentes produtos químicos no meio ambiente de trabalho. Mais de treze milhões de compostos químicos sintéticos foram produzidos em laboratórios. O Inventário Europeu de Substâncias Químicas Existentes (European Inventory of Existing Chemical Substances) avalia que aproximadamente 400.000 produtos químicos são comercializados dentro da União Européia, chegando anualmente ao mercado entre 1000 e 2000 novos produtos, alguns sem qualquer teste ou avaliação de seus potenciais efeitos hostis. Há ainda a considerar o aumento da toxicidade decorrente das interações sinérgicas entre os produtos químicos.
Nos países em desenvolvimento, os riscos à saúde são maiores, porque os trabalhadores podem estar expostos simultaneamente a riscos no meio ambiente do trabalho, no ambiente doméstico inseguro e no meio ambiente geral ecologicamente desequilibrado. Além disso, muitas vezes, o meio ambiente doméstico e o do trabalho são no mesmo local, pois muitos trabalhadores realizam atividades agrárias, comerciais ou industriais dentro de seus próprios lares.
Por isso, a OMS desenvolve seu trabalho em torno de fatores físicos (ruído, radiações, etc), de fatores mecânicos (maquinaria, ferramentas, etc), fatores biológicos (bactérias, vírus, fungos, parasitas, etc), fatores químicos. A OMS está atenta ainda para o stress e as condições ergonomicamente pobres que cercam o meio ambiente de trabalho. Para todos esses problemas, a OMS, amparada em dados estatísticos e estudos técnicos, sempre propõe soluções.
No XX Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho, realizado na cidade de São Paulo, em 1999, a Fundacentro apresentou um Programa de Engenharia de Segurança na Indústria da Construção.
VII. A UNIÃO EUROPÉIA.
A questão da segurança e higiene no trabalho sempre esteve presente nas três comunidades que viriam a formar a União Européia, a saber: CEE, CECA e EURATOM.
Dois artigos do Tratado de Roma (1957), que instituiu a Comunidade Econômica Européia, assinalam um dos grandes momentos da história do Direito Ambiental do Trabalho na Europa. São os arts. 117 e 188, dos quais se originaria toda a proteção do meio ambiente do trabalho no direito comunitário europeu.
Merece ainda especial destaque a Carta Social Européia, de 1961.
Diante da necessidade de normas homogêneas de proteção dos trabalhadores europeus, os Estados-Membros da Comunidade Européia criaram, em 1974, o Comitê Consultivo para a Segurança, Higiene e Proteção da Saúde no Ambiente de Trabalho, destinado a apreciar os novos projetos legislativos e auxiliar nas atividades de campo em matéria de segurança e de saúde no trabalho.
As diretivas e resoluções da União Européia vem desempenhando papel fundamental no aperfeiçoamento de todo o Direito Comunitário. A Diretiva Marco nº 391 (Framework Directive 89/391/EEC), de 1989, é considerada a mais importante diretiva sobre estabelecimento de padrões mínimos para a segurança e saúde no trabalho.
Não podem ser esquecidos os arts. 100-A e 118-A do Ato Único Europeu, que estabelecem, respectivamente, o respeito de todos os produtos em livre circulação na Comunidade às normas de segurança e de saúde e a obrigação dos Estados-membros em promover a melhoria das condições de trabalho, inclusive com normas mais severas do que as estabelecidas pelo Direito comunitário.
A Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989, com exceção do Reino Unido, também resguarda a saúde e a segurança no trabalho.
Exemplo da importância que a União Européia dá a um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado está demonstrado pela escolha do ano de 1992 como o Ano Europeu da Segurança, Higiene e Saúde no Local de Trabalho.
VIII. O MERCOSUL.
Embora o Tratado de Assunção, que fundou o processo do Mercosul, tenha sido omisso no tocante às questões sociolaborais, a doutrina trabalhista destaca no Tratado prefácio dizendo: “desenvolvimento econômico com justiça social” e “melhoria das condições de vida”.
A partir daí, com o apoio ou tolerância das delegações governamentais, vem a doutrina trabalhista construindo a dimensão social desse processo e revelando uma preocupação com a política social comunitária, que compreende temas desde política de emprego, salários, educação, saúde, até normas de direito do trabalho e seguridade social.
Por recomendação dos Ministros do Trabalho e Previdência Social dos Estados-membros reunidos em Montevidéu, por ocasião da 4ª Reunião do Grupo Mercado Comum, em 1991, foi aprovada Resolução (MERCOSUL/GMS/Res. n. 11/92), criando o Subgrupo de Trabalho nº 11 (Assuntos Trabalhistas), que decidiu formar várias comissões, dentre as quais, a Comissão de Saúde e Segurança no Trabalho. Foi também instalado, como órgão permanente do Mercosul, um Foro Consultivo Econômico-Social, previsto no Protocolo de Ouro Preto.
Subscrita pelos presidentes dos quatro países integrantes do Mercosul, a Declaração Sociolaboral do Mercosul, de 1998, documento solene, mas sem força vinculativa, é considerado o mais importante documento sobre o tema, pela sua importância política inegável.
Dando andamento às negociações entre os Estados-Partes, Brasil e Argentina, em 1999, criaram um plano-piloto para fiscalizar as condições de segurança e saúde no trabalho nas regiões de fronteira entre os dois países.
IX. O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NO BRASIL.
O meio ambiente do trabalho adquiriu tal importância e desenvolvimento que “a nível doutrinário, parece estar assegurada a autonomia conceitual do meio ambiente de trabalho”, segundo Rodolfo de Camargo Mancuso. (Revista TST, Síntese, nº 1, p. 50, jan.-mar. 2000).
Também a Constituição Federal de 1988 em vigor consagrou a categoria meio ambiente do trabalho no art. 225 (de forma mediata) e no art. 200, VIII (de forma expressa), ao dispor: “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:.................................VIII – colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.
Vários dispositivos constitucionais asseguram o direito à saúde e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como, por exemplo, os arts. 1º, III, 6º, 7º, XXII, art. 39, § 3º, 170, 196, 200, 225.
Vale notar que não existe qualquer contradição na Magna Carta entre esses dispositivos e o art. 7º, XXIII, que concede adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas. O respectivo adicional para essas atividades não é um substitutivo à saúde, mas uma remuneração transitória, pois essa situação insalubre, penosa ou perigosa deve ser convertida o mais breve possível em um ambiente de trabalho ecologicamente saudável.
Várias constituições estaduais brasileiras também garantem o direito à saúde do trabalhador no meio ambiente do trabalho, como, por exemplo, a de São Paulo, Rio de Janeiro, etc.
O texto constitucional inovou ao responsabilizar penalmente por crime ecológico (art. 225, § 3º) não só a pessoa física, mas também a pessoa jurídica poluidora:“art. 225................§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Vale lembrar a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O Direito Penal brasileiro trata da vida e da saúde do trabalhador no ambiente de trabalho nos seguintes dispositivos: art. 132 do Código Penal; arts. 14 e 16 da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989; art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. A Lei nº 6938/81, sobre Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece no seu art. 15, penalidade ao poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal.
Ainda que atualmente assegurada “autonomia conceitual do meio ambiente de trabalho”, conforme salientado por Mancuso acima, a legislação anterior à Constituição Federal de 1988 em vigor não contemplava expressamente o meio ambiente do trabalho como parte do Direito Ambiental, o que só veio a ocorrer com a promulgação desse texto constitucional, que recepcionou a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. Por isso, na interpretação do conceito de meio ambiente expresso no art. 3º da Lei nº 6.938/81, deve incluir-se o meio ambiente do trabalho.
Por determinação da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, antes da instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente poluente, será exigido o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e o respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA). Muitos doutrinadores defendem a necessidade de realização do EPIA inclusive no ambiente laborativo.
Vale salientar a importância do licenciamento ambiental na medida em que pode impedir a consumação dos danos ao meio ambiente. No momento de sua renovação, que é periódica, devem ser verificadas as condições de salubridade do meio ambiente do trabalho. O não cumprimento das exigências de respeito ao meio ambiente dá margem à revogação do licenciamento.
As recém-criadas autorias ambientais, que compreendem estudos, avaliações e exames periciais, têm por finalidade fiscalizar o cumprimento das orientações expedidas pelo Estudo Prévio. Está prevista, por exemplo, no art. 193, IV, da Constituição do Estado de São Paulo.
O direito à informação vem disposto no art. 9º, XI, da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente:“Art. 9º. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:XI – a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes”.
Todos os trabalhadores têm direito à informação sobre as reais condições de seu meio ambiente de trabalho (níveis de ruído, toxidade, radiações, riscos, etc) e a forma de execução do trabalho (em turnos, jornadas noturnas, etc). Os exames médicos, no momento da admissão, os exames periódicos durante o período em que se trabalha, quando do retorno ou no momento da demissão, constituem outro elemento importante de análise. O resultado desses exames médicos, que são obrigatórios, deve ser comunicado ao operário.
Nova estrutura para as CIPAS possibilitaria uma melhor fiscalização da salubridade dos ambientes de trabalho. A criação de Comissões de Saúde e Meio Ambiente, defendida por tantos doutrinadores, poderiam desempenhar um papel de prevenção e educação dos trabalhadores na concretização de ambiente de trabalho saudáveis.
Além da Lei nº 6.938/81, sobre Política Nacional do Meio Ambiente, podemos citar, dentre outras, as seguintes normas infraconstitucionais sobre meio ambiente de trabalho: a CLT, a Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), as Leis nºs 8.212/91 e 8.213/91, além de seus respectivos regulamentos (Decretos nºs 7.173/97 e 2.172/97), que estabelecem a Organização e o Custeio da Seguridade Social e os Planos de benefícios da Previdência Social, portarias do Ministério do Trabalho, art. 12, VI, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666, alterada pela Lei nº 8.883).
Novos valores foram introduzidos à Constituição Federal de 1988 em vigor ao consagrar a defesa do meio ambiente no art. 225. Resta ao direito coletivo e ao direito individual do trabalho incorporá-los definitivamente. Somente dispositivos de proteção individual, por exemplo, não melhoram as condições ambientais do local de trabalho, nem anulam a insalubridade no organismo do trabalhador.
A meta há de ser um meio laboral coletivo seguro e saudável. Por isso a urgência de serem efetivamente postas em execução as Normas Regulamentadoras já existentes para avaliação e controle dos riscos do ambiente de trabalho.
Com esse procedimento, o direito de todo trabalhador à redução dos riscos no trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, previsto no art. 7°, XXII, da Magna Carta, atingirá o patamar da eficácia plena. O adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas terá então a característica da transitoriedade, pois a situação insalubre, penosa ou perigosa, conforme já assinalado, deverá ser convertida rapidamente para um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado. A insalubridade, a penosidade e a periculosidade deverão ser excepcionais e inerentes à vida profissional, como é o caso do militar.
Face aos obstáculos técnicos e à diversidade de situações, o método mais adequado e eficaz de proteção à saúde do trabalho é através do contrato coletivo. Não é o que acontece no Brasil, onde a lei é que se ocupa dessa matéria. Nesse sentido, os sindicatos também poderiam desempenhar um papel mais ativo e preventivo na defesa da saúde dos trabalhadores informando os riscos de determinada atividade e celebrando acordos sobre medidas de proteção ou supressão do uso de determinados produtos.
X. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
A ação civil pública, para o qual são legitimados o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, os Sindicatos e demais associações civis, tem sido considerada a medida mais eficiente para a proteção da segurança e da segurança do trabalhador.
XI. RESPONSABILIDADE DO POLUIDOR.
A responsabilidade objetiva por danos causados ao meio ambiente está prevista na Constituição Federal brasileira de 1988 em vigor (art. 225, § 3º) e na Lei nº 6.938/81 (art. 14, § 1º).
Tem legitimidade para propor ação de responsabilidade criminal o Ministério Público da União e dos Estados. Vale anotar que o Ministério Público, sobretudo o de São Paulo, vem ajuizando ações penais por dano ao meio ambiente do trabalho e à saúde dos trabalhadores fundamentado no art. 132 do Código Penal, que dispõe sobre o crime de perigo para a vida e a saúde de outrem.
Haveria conflito entre o art. 7º, XXVIII da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade subjetiva por acidente de trabalho, com o art. 225, § 3º, que estabelece a responsabilidade objetiva no caso de conduta lesiva ao meio ambiente?
Tentando resolver o impasse, Julio Cesar de Sá da Rocha assevera:“como se trata de poluição no meio ambiente do trabalho que afeta a sadia qualidade de vida dos trabalhadores, a compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser outra senão a de que a responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva; e quando a Magna Carta estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente se refere ao acidente de trabalho, acidente-tipo individual, diferente da poluição no ambiente do trabalho, desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais.” (Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica, p. 67).
XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A preocupação com questões ambientais, que antes se restringia a pequenos grupos preservacionistas ou partidários, passou a ser uma preocupação mundial, no que muito colaborou o sindicalismo europeu, canadense e americano.
Até o setor empresarial, antes vacilante, vem se ocupando com a questão ambiental.
A extrema competitividade imposta pela globalização da economia com a criação de empresas multinacionais criou o padrão de qualidade total. São representativos dessa tendência os certificados ISO 9000 e ISO 14000, conferidos, respectivamente, a atividades de ponta e a certas atividades produtivas detentoras de um determinado padrão de qualidade. A uniformização dos selos verdes nasceu da pressão de consumidores americanos e europeus preocupados com o meio ambiente. Estuda-se agora introduzir a série ISO 18000, certificação internacional de proteção de segurança do trabalho e patamar de remuneração.
Com a série ISO 18000, estariam os trabalhadores efetivamente protegidos no seu meio ambiente de trabalho? É claro que não, porque, na verdade, o certificado ISO 18000 tem por objetivo velado proteger os mercados financeiros europeus e americanos e conter os avanços dos blocos emergentes, sobretudo dos Tigres Asiáticos, que tiveram um crescimento econômico avassalador.
Ainda que por razões de competitividade, de imagem ou pelos enormes custos e dificuldades impostas pelas legislações de seus respectivos países a partir da década de 80, o setor empresarial está mudando e é certo que alguns já perceberam que um meio ambiente ecologicamente desequilibrado, aí incluído o meio ambiente do trabalho, retornará em prejuízo, em queda de produção e de qualidade.
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O ideal da Revolução Francesa liberdade, igualdade e fraternidade traduziu-se no campo trabalhista, basicamente, na consagração dos princípios da liberdade de trabalhar e da liberdade de contratar.
A liberdade de contratar, tendo em conta a abstenção do Estado, se manifestava na determinação livre dos direitos e obrigações do contrato pelas próprias partes. O contrato de locação de serviços no âmbito civil é que regulava as relações de trabalho.
A liberdade de trabalhar caracterizava-se pelo direito de associação, tendo em vista a convicção de que o sindicato interferia no equilíbrio entre a oferta e a procura, como também na liberdade individual, ao apoiar os trabalhadores, filiados ou não, a não contratar, abaixo do limite das condições mínimas de trabalho.
Conquanto tenha a obra de Bernardino Ramazzini, a primeira totalmente voltada à disciplina hoje denominada “Medicina do Trabalho”, reafirmado a interdependência entre determinadas profissões e certas doenças, o advento do liberalismo aliado à Revolução Industrial, levou a um desequilíbrio social.
Na prática, a liberdade de contratar inexistia, porque o trabalhador tinha que se submeter às condições estabelecidas pelo empregador, que era a parte economicamente mais forte. Por isso, a liberdade de contratar levava a uma intensa exploração da força de trabalho. As condições de trabalho precaríssimas, com jornadas de trabalho de duração absurda, baixos salários, péssimas condições de segurança e higiene de trabalho, utilização abusiva da mão-de-obra da mulher e do menor, levavam, inevitavelmente, a baixas condições de vida, grande risco de acidentes e de todo tipo de doenças, altíssimo índice de mortalidade e de invalidez causadas por acidentes do trabalho.
Tentando conter o acentuado liberalismo, que se traduziu em um Direito liberal individualista, surgem as primeiras concepções pregando uma intervenção do Estado nas relações de trabalho em nome do interesse coletivo. O movimento dos trabalhadores propõe a institucionalização de novos direitos.
As primeiras leis que então surgem expressam uma série de conquistas da classe trabalhadora que, não se conformando mais com condições indignas de trabalho, passam a reivindicar jornada menor de trabalho, ambientes de trabalho menos agressivos à saúde e proteção do trabalhador na velhice, na doença e na invalidez.
Otto von Bismarck criou uma série de seguros: o seguro social propriamente dito em 1881; o seguro-enfermidade em 1883; a proteção contra acidentes de trabalho em 1884; o seguro contra velhice e invalidez em 1889. A Lei de Acidentes do Trabalho foi promulgada na Itália em 1883, na Alemanha em 1884 e na França em 1898. Já antes da criação da OIT foi adotada uma convenção sobre o emprego de fósforo branco na fabricação de palitos de fósforo.
A nova consciência ambientalista em nível mundial, principalmente a partir da década de 70, proporcionou uma revisão nas concepções tradicionais de ambiente de trabalho concebidas pelo Direito da Seguridade Social e pelo Direito do Trabalho.
A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) desempenharam um papel ativo na propagação dessas novas idéias.
II. MEIO AMBIENTE, DIREITO DO MEIO AMBIENTE E MEIO AMBIENTE DE TRABALHO: CONCEITOS.
Para José Afonso da Silva, meio ambiente é“a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.” (Direito ambiental constitucional, p. 2).
Segundo essa conceituação, há três espécies de meio ambiente, a saber: meio ambiente natural ou físico (flora, fauna, mares, rios, ar atmosférico, etc);
meio ambiente artificial, que compreende o espaço urbano fechado (edificações) e o espaço urbano aberto (espaços livres em geral, como, por exemplo, praças, ruas, etc);
3. meio ambiente cultural (patrimônio artístico, histórico, paisagístico, arqueológico, etc).
José Afonso da Silva assinala que essa classificação tem finalidade apenas jurídica, considerando que os diversos aspectos do meio ambiente estão submetidos a regime jurídico diverso.
Observa ainda que, embora o meio ambiente cultural tenha sido criado pelo homem, o que o faria integrar, em princípio, o meio ambiente artificial, dessa classificação se afasta “pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou.” (ob. cit., p. 3).
Elevado simultaneamente à categoria de bem de uso comum do povo (Constituição Federal, art. 225, caput) e de patrimônio público de interesse internacional (Lei nº 6.938/81, art. 2º, I), essa mesma lei conceitua meio ambiente como sendo o“conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” (art. 3º, I).
Para Roberto Senise Lisboa, o Direito do Meio Ambiente é o ramo do Direito“que estuda a biota e as suas formas de preservação e restauração, impondo aos responsáveis pelos danos ambientais praticados a responsabilização civil, penal e administrativa.” (Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, autor, p. 414).
O homem pode criar vários tipos de meios ambientes, dentre os quais se insere o meio ambiente do trabalho. Atualmente o estudo do meio ambiente do trabalho tem um caráter interdisciplinar, porque a saúde dos trabalhadores constitui “um campo de atividades interdisciplinares, em que os aportes da engenharia, da medicina, da saúde pública, da sociologia, da psicologia, da ergonomia e de outros ramos da ciência e da tecnologia concorrem para o promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e da melhoria das condições e do ambiente de trabalho”. (Guido Ivan de Carvalho & Lenir Santos, Comentários à Lei Orgânica da Saúde: Leis ns. 8.080/90 e 8.142/0, p. 71).
Para José Guilherme Purvin de Figueiredo, “meio ambiente do trabalho é o local onde o trabalhador desenvolve a sua atividade profissional.” (Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores, p. 46)
Rodolfo de Camargo Mancuso fala em meio ambiente do trabalho como “habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para sua sobrevivência”. (A ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos, p. 59)
Conforme assinala José Afonso da Silva, a proteção do meio ambiente do trabalho é bastante complexa, porque o ambiente do trabalho é um conjunto de “bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores, que o freqüentam. Esse complexo pode ser agredido e lesado tanto por fontes poluidoras internas como externas, provenientes de outras empresas ou de outros estabelecimentos civis de terceiros, o que põe também a questão da responsabilidade pelos danos ambientais.” (ob. cit., p.5).
Vale lembrar que, diante das transformações por que passa o mundo do trabalho, seu meio ambiente não está mais adstrito ao espaço interno da fábrica ou da empresa. Segundo a atividade exercida, o meio ambiente do trabalho pode ser também o espaço urbano, uma vez que muitos trabalhadores exercem suas atividades nas ruas, como, por exemplo, os jornalistas, os condutores de transportes urbanos, os caminhoneiros, etc. É o caso ainda dos trabalhadores em domicílio, que até hoje não tiveram regulamentados seus direitos e condições de trabalho.
III. NATUREZA JURÍDICA.
A tradicional divisão entre interesse público e interesse privado ficou bastante comprometida a partir de 1974, por influência do processualista italiano Mauro Cappelletti, que entendeu haver uma categoria intermediária, que abrangeriam certos interesses metaindividuais denominados difusos, aí incluídos o direito ao ambiente natural, o direito à saúde, etc.
Para o Código de Defesa do Consumidor, interesse difuso é o “interesse transindividual, de natureza indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, I).
Já para Hugo Nigro Mazzili, interesses difusos são “interesses de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso (...) Em sentido lato, os mais autênticos interesses difusos, como o meio ambiente, podem ser incluídos na categoria do interesse público.” (apud Sá da Rocha, Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica, p. 31).
Vale assinalar que interesse difuso“não significa interesse de ninguém, e sim interesse de todos, e, pois, de cada um.” (Mancuso, Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, p. 98).
Um meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado é um direito de todos trabalhadores. Encontra-se incluído, portanto, na rol dos interesses difusos, até porque a proteção da saúde, que é um direito de todos, caracteriza-se como um direito metaindividual.
Cumpre assinalar que existem duas espécies de interesses coletivos: os difusos e os coletivos stricto sensu. Enquanto os coletivos stricto sensu têm como titular certa categoria, os interesses difusos caracterizam-se pela indeterminação do titular.
IV. POLUIÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.
Um meio ambiente do trabalho ecologicamente desequilibrado pressupõe a existência de um ou de inúmeros fatores que afetam a saúde e a segurança dos trabalhadores: produtos tóxicos, irradiações, altas temperaturas, gases, poeiras, ruídos, trabalho noturno, trabalho realizado em turnos de revezamento, etc.
Nos dias que correm, o elenco de riscos de degradação do meio ambiente do trabalho é imensurável e não se circunscreve somente à área urbana, mas se estende à área rural, pois uma grande fazenda utiliza os mesmos processos tecnológicos, químicos e biológicos de uma grande indústria. Acidentes provocados por máquinas agrícolas, doenças e casos fatais decorrentes de envenenamento por agrotóxicos são cada vez mais freqüentes na agricultura.
A doença ocupacional, que se desencadeia ou se origina de determinadas condições do meio ambiente do trabalho e com ele se relacione diretamente, é considerada acidente de trabalho para fins previdenciários (Lei nº 8.213/91, art. 20, I e II).
V. A ATIVIDADE NORMATIVA DA OIT: CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES. O PIACT. A DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO (ONU, 1972). A DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO (ONU, 1992). O PROGRAMA INFOCUS SOBRE TRABALHO EM RISCO.
O Tratado de Versalhes, de 1919, que criou a Organização Internacional do Trabalho, estabeleceu dentre suas competências, a proteção contra doenças profissionais e acidentes do trabalho.
A atividade da OIT serve como ponto de referência a toda comunidade internacional: legisladores, sindicatos de empregados e de empregadores, empresas multinacionais, organizações internacionais, organizações não governamentais.
Através de sua atividade normativa, a OIT tem desempenhado um papel fundamental na proteção dos trabalhadores contra os acidentes de trabalho e contra as doenças, profissionais ou não. Seus repertórios de recomendações práticas constituem verdadeiras diretrizes para a atividade industrial.
A OIT ressalta que o direito legislado tem um importante papel na prevenção de acidentes e doenças na agricultura dos países em desenvolvimento, enfatizando a necessidade de leis bem redigidas. No tocante à agricultura, por exemplo, entende caber a autoridades nacionais a incumbência de se responsabilizarem pelo controle da aprovação, importação, classificação e uso de produtos agrotóxicos.
Dentre as inúmeras convenções e recomendações da OIT relativas à matéria, vale citar:
- Recomendação nº 5, de 1919: criação de serviço público de higiene;
- Convenção nº 12, de 1921: acidentes do trabalho na agricultura;
- Convenção nº 13, de 1921: proibição do emprego de menores de 18 anos e mulheres no trabalho com chumbo;
- Recomendação nº 20, de 1923: princípios gerais de organização dos serviços de inspeção para garantir a aplicação das leis e regulamentos de proteção aos trabalhadores;
- Convenção nº 17, de 1925: indenização por acidentes do trabalho, aplicável a empregados e aprendizes, empresas públicas e privadas;
- Recomendação nº 28, de 1926: princípios gerais da inspeção do trabalho dos marítimos;
- Recomendação nº 31, de 1929: prevenção dos acidentes do trabalho;
- Convenção nº 27, de 1929: peso de cargas transportadas por barcos;
- Convenção nº 32, de 1932: proteção de estivadores contra acidentes;
- Convenção nº 42, de 1934: indenização por enfermidades profissionais;
- Convenção nº 62, de 1937: prescrições de segurança na indústria de construção;
- Convenção nº 61, de 1947: inspeção do trabalho na indústria e no comércio;
- Recomendação nº 99, de 1955: adaptação e readaptação profissional dos inválidos;
- Convenção nº 110, de 1958: condições de empregados trabalhadores nas plantações;
- Convenção nº 115, de 1960, e Recomendação nº 114: proteção contra radiações;
- Convenção nº 119, de 1963, e Recomendação nº 118, de 1958: proteção dos trabalhadores junto às máquinas;
- Convenção nº 120 e Recomendação nº 120, ambas 1964: conservação, limpeza, ventilação, iluminação, temperatura, produtos insalubres ou tóxicos, poluição sonora, vibrações, etc. em estabelecimentos públicos e privados;
- Convenção nº 127, de 1967: peso máximo de carga para o transporte humano;
- Convenção nº 129, de 1969: inspeção do trabalho na agricultura;
- Convenção nº 134, de 1970: prevenção de acidentes de trabalho dos trabalhadores marítimos, inclusive em navios de guerra;
- Convenção nº 136 e Recomendação nº 144, de 1971: riscos de intoxicação devidos ao benzeno;
- Convenção nº 139 e Recomendação nº 147, de 1974: prevenção e controle dos riscos profissionais causados por substâncias ou agentes cancerígenos;
- Convenção nº 148, de 1974: proteção dos trabalhadores contra riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ruído e vibrações no local de trabalho.
- Convenção nº 152 e Regulamentação nº 160, ambas de 1979: segurança e higiene nos trabalhos portuários;
- Convenção nº 159, de 1983, e Recomendação nº 168: direito das pessoas portadoras de deficiência a uma adaptação ou readaptação profissional, seja em instituições específicas, seja em postos de trabalho, ao lado de não-deficientes;
- Convenção nº 162, de 1986: utilização de asbestos e condições de segurança;
- Convenção nº 164, de 1987: saúde e assistência média aos tripulantes marítimos;
- Convenção nº 167, de 1988: segurança e saúde na construção;
- Convenção nº 170, de 1990: utilização de produtos químicos perigosos nos locais de trabalho;
- Convenção nº 174, de 1993: prevenção de acidentes industriais maiores;
- Convenção nº 176, de 1995: segurança e saúde nas minas;
A realização, em Estocolmo, da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em 1972, constituiu fator determinante para a afirmação do Direito Ambiental, quando se debateu simultaneamente aspectos do meio ambiente natural e do meio ambiente do trabalho.
Esse é o princípio nº 8 da Declaração de Estocolmo: “O desenvolvimento econômico ou social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e criar na terra condições favoráveis para melhorar a qualidade de vida.”
E o 19º enunciado se inicia com a seguinte redação: “É essencial que seja ministrada educação sobre questões ambientais às gerações jovens como aos adultos, levando-se em conta os menos favorecidos, com a finalidade de desenvolver as bases necessárias para esclarecer a opinião pública e dar aos indivíduos, empresas e coletividades o sentido de suas responsabilidades no que concerne à proteção e melhoria do meio ambiente em toda a sua dimensão humana”.
A partir desse momento, questões relativas à saúde dos trabalhadores começaram a ser tratadas pela OIT sob outro prisma: o da saúde dos trabalhadores no seu meio ambiente de trabalho, sob uma perspectiva ambiental, abandonando a visão ultrapassada do estudo das “doenças ocupacionais”.
A preocupação inicial da OIT, que se restringia à segurança física dos trabalhadores no manuseio e uso seguro de equipamentos e máquinas no local de trabalho, foi substituída e está agora centralizada em questões que envolvem saúde e meio ambiente do trabalho.
Nesse sentido, a Memória “Por um trabalho mais humano: condições e meio ambiente”, que o Diretor-Geral da OIT submeteu à reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em 1975.
Esse texto, objeto de amplo debate na Conferência, motivou a criação, em 1976, de um novo programa da OIT denominado Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho (PIACT), executado em sintonia com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A OIT justificou a necessidade desse novo programa lembrando que, apesar dos constantes esforços durante muitos anos por melhores condições de trabalho, os resultados tinham sido, muitas vezes, desencorajadores, porque continuava bastante significativo o número de pessoas que morriam em acidentes de trabalho ou contraíam doenças ocupacionais.
Acolhido favoravelmente em todos os países, os sindicatos, naquela oportunidade, aplaudiram a elaboração do PIACT, que lhes possibilitava cumprir seu papel e atuar adequadamente para a plena execução do programa.
Ressaltando a necessidade de desenvolvimento de programas de cooperação técnica sobre segurança e medicina do trabalho entre os Estados-membros, o PIACT tem como objetivos:“proteção contra os efeitos desfavoráveis de fatores físicos, químicos e biológicos no local de trabalho e no meio ambiente imediato:prevenção da tensão mental resultante da duração excessiva, do ritmo, do conteúdo ou da monotonia do trabalho;promoção de melhores condições de trabalho, visando à distribuição adequada do tempo e do bem-estar dos trabalhadores;adaptação de instalações e locais de trabalho à capacidade mental e física dos trabalhadores, mediante aplicação da ergonomia.”
A par do PIACT, foi adotada por unanimidade, em 24 de junho de 1975, resolução sobre a ação futura da OIT nessa matéria, na qual se reafirma que a melhoria das condições de trabalho e a proteção da saúde física e mental do trabalhador constituem missão essencial e permanente da OIT.
A Declaração de Estocolmo e as investigações feitas pelo PIACT deram origem à Convenção nº 155 e à Recomendação nº 164, ambas de 1981, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho.
Essa Convenção, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29.9.94, determina que os Estados formulem, consultadas as organizações de empregadores e trabalhadores, “uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e de meio ambiente de trabalho”, promovendo sua execução.
Estabelece, em seu art. 14, a necessidade de adoção de medidas “no sentido de promover, de maneira conforme a prática e as condições nacionais, a inclusão das questões de segurança, higiene e meio ambiente de trabalho em todos os níveis de ensino e de treinamento, incluídos aqueles de ensino superior técnico, médico e profissional, com o objetivo de satisfazer às necessidades de treinamento de todos os trabalhadores.”
Cumpre assinalar a importância e a inovação trazidas pelo PIACT e pela Convenção nº 155, que ampliaram, segundo Sussekind, “o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que pode ser gerada no estabelecimento industrial.”
Depois de lembrar que o direito à segurança e à higiene no trabalho se inclui dentre os direitos humanos (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas), porque todo ser humano tem direito à vida e à integridade física, Arnaldo Sussekind alerta para as conseqüências que podem advir de um meio ambiente de trabalho em desequilíbrio:“Assim como repercute no local de trabalho condições adversas do ambiente de trabalho imediato, também os efeitos de inadequados sistemas de produção e, por vezes, de certos sinistros ocorridos em estabelecimentos industriais podem alcançar áreas muitos distantes. Em Three-Mile Island, Chernobil, Bhopal e Sandoz, os riscos foram muito além do ambiente de trabalho, atraindo a atenção universal por terem invadido o meio ambiente geral.” (Instituições de direito do trabalho, v.2, p. 929).
Convenção igualmente importante da OIT é a de nº 161, de 1985, sobre serviços de saúde no trabalho, a serem criados pelos poderes públicos, por uma empresa, um grupo de empresas, ou por uma combinação entre elas.
Na preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), a OIT participou de forma atuante dos debates sobre meio ambiente do trabalho, produtos químicos perigosos, meio ambiente e desenvolvimento, educação, formação e conscientização, etc.
A Declaração do Rio de Janeiro (ONU-1992) defendeu o princípio do desenvolvimento sustentado, ao consagrar no seu 3º que“O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer às necessidades relativas ao desenvolvimento e ao meio ambiente das gerações presentes e futuras”.
Tendo por base as decisões tomadas na Rio/92 e na Agenda 21, a OIT realizou uma reunião tripartite consultiva sobre meio ambiente e o mundo do trabalho. Nessa reunião, foram aprovados os seguintes itens que deverão orientar a atuação da OIT para o futuro. São eles:apoiar mandatários, trabalhadores e respectivos sindicatos para que possam atuar de forma efetiva nas questões que envolvem meio ambiente e desenvolvimento sustentado;
inserir nos seus principais programas, inclusive nos programas de cooperação técnica, questões de meio ambiente e desenvolvimento sustentado, sobretudo naqueles que dizem respeito a condições de trabalho e atividades de educação e formação;
colaborar com as demais instituições das Nações Unidas, bem como com outras instituições internacionais e regionais que se dediquem ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentado.
A OIT tem se direcionado através de todos os seus meios, seja pela ação normativa, seja por programas de cooperação técnica e de investigação, sobretudo em temas ligados a emprego, formação profissional e condições de trabalho, no sentido de se traçar uma estratégia mundial para a criação de um desenvolvimento sustentável de base ampla, conforme assinalado na 86ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1988, que aprovou a Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, numa de suas raras declarações sem votos contrários. Essa Declaração, segundo Michel Hansenne, é uma verdadeira plataforma social mínima de âmbito mundial, diante da realidade da globalização da economia.
Ironicamente, os progressos tecnológicos acarretaram a diminuição de alguns riscos, mas acabaram criando outros. Surgem novas enfermidades profissionais e os acidentes de trabalho continuam ocorrendo de forma acentuada. Em particular tem-se pensado em novos instrumentos sobre outros agentes agressivos do meio de trabalho (amianto, pesticidas e herbicidas na agricultura e poeiras na indústria), assim como a adoção de uma norma de conjunto sobre uma ação tendente a reduzir os acidentes de trabalho e as enfermidades profissionais.
Como se verifica através do histórico de suas convenções e recomendações, a OIT permanece alerta com os progressos tecnológicos e o aparecimento de novos agentes ambientalmente agressivos.
Vale lembrar que, em dezembro de 1999, a OIT apresentou o “Programa Infocus sobre Trabalho em Risco”, dirigido a ocupações perigosas, a trabalhadores que realizam atividades muito perigosas, a categorias de trabalhadores vulneráveis por seu sexo ou idade e aos do setor urbano não estruturado, que normalmente não têm proteção básica à sua saúde. Esse programa tem por principais objetivos: 1. fazer um alerta, em nível mundial, para o problema dos acidentes, lesões e doenças relacionadas ao trabalho, suas causas e conseqüências;
2. promover uma proteção básica a todos os trabalhadores, segundo as normas internacionais do trabalho, enfatizando caber aos Estados-Membros e à indústria planejar e aplicar políticas e programas de prevenção e proteção eficazes.
VI. A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS).
Em 1945, por proposta do Brasil e da China, a Conferência Internacional das Nações Unidas, reunida em São Francisco, aprovou a criação de uma nova organização internacional autônoma de saúde. Em 1946, a Conferência Internacional de Saúde realizada em Nova Iorque aprova a Constituição da Organização Mundial de Saúde, que entra em vigor em 7 de abril de 1948.
Documento elaborado pela Organização Mundial de Saúde denominado “Desenvolvimento Sustentável e Ambientes Sadios - Proteção do Meio Ambiente Humano”, lembra que o meio ambiente do trabalho é o lugar onde a pessoa passa a maior parte de seu tempo.
Além de diversos do meio ambiente em geral, os riscos à saúde são ainda maiores no meio ambiente do trabalho porque esses espaços são restritos. Acidentes, problemas ósseos, problemas musculares, problemas reprodutivos, câncer, lesões oculares, surdez, doenças cardiovasculares, doenças mentais e neurológicas, etc. são constantes no meio ambiente do trabalho.
Os números das pesquisas são alarmantes. A OIT e a OMS estimam a ocorrência de 250 milhões de acidentes de trabalho por ano, sendo 330 mil fatais. Há atualmente mais de cem mil diferentes produtos químicos no meio ambiente de trabalho. Mais de treze milhões de compostos químicos sintéticos foram produzidos em laboratórios. O Inventário Europeu de Substâncias Químicas Existentes (European Inventory of Existing Chemical Substances) avalia que aproximadamente 400.000 produtos químicos são comercializados dentro da União Européia, chegando anualmente ao mercado entre 1000 e 2000 novos produtos, alguns sem qualquer teste ou avaliação de seus potenciais efeitos hostis. Há ainda a considerar o aumento da toxicidade decorrente das interações sinérgicas entre os produtos químicos.
Nos países em desenvolvimento, os riscos à saúde são maiores, porque os trabalhadores podem estar expostos simultaneamente a riscos no meio ambiente do trabalho, no ambiente doméstico inseguro e no meio ambiente geral ecologicamente desequilibrado. Além disso, muitas vezes, o meio ambiente doméstico e o do trabalho são no mesmo local, pois muitos trabalhadores realizam atividades agrárias, comerciais ou industriais dentro de seus próprios lares.
Por isso, a OMS desenvolve seu trabalho em torno de fatores físicos (ruído, radiações, etc), de fatores mecânicos (maquinaria, ferramentas, etc), fatores biológicos (bactérias, vírus, fungos, parasitas, etc), fatores químicos. A OMS está atenta ainda para o stress e as condições ergonomicamente pobres que cercam o meio ambiente de trabalho. Para todos esses problemas, a OMS, amparada em dados estatísticos e estudos técnicos, sempre propõe soluções.
No XX Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho, realizado na cidade de São Paulo, em 1999, a Fundacentro apresentou um Programa de Engenharia de Segurança na Indústria da Construção.
VII. A UNIÃO EUROPÉIA.
A questão da segurança e higiene no trabalho sempre esteve presente nas três comunidades que viriam a formar a União Européia, a saber: CEE, CECA e EURATOM.
Dois artigos do Tratado de Roma (1957), que instituiu a Comunidade Econômica Européia, assinalam um dos grandes momentos da história do Direito Ambiental do Trabalho na Europa. São os arts. 117 e 188, dos quais se originaria toda a proteção do meio ambiente do trabalho no direito comunitário europeu.
Merece ainda especial destaque a Carta Social Européia, de 1961.
Diante da necessidade de normas homogêneas de proteção dos trabalhadores europeus, os Estados-Membros da Comunidade Européia criaram, em 1974, o Comitê Consultivo para a Segurança, Higiene e Proteção da Saúde no Ambiente de Trabalho, destinado a apreciar os novos projetos legislativos e auxiliar nas atividades de campo em matéria de segurança e de saúde no trabalho.
As diretivas e resoluções da União Européia vem desempenhando papel fundamental no aperfeiçoamento de todo o Direito Comunitário. A Diretiva Marco nº 391 (Framework Directive 89/391/EEC), de 1989, é considerada a mais importante diretiva sobre estabelecimento de padrões mínimos para a segurança e saúde no trabalho.
Não podem ser esquecidos os arts. 100-A e 118-A do Ato Único Europeu, que estabelecem, respectivamente, o respeito de todos os produtos em livre circulação na Comunidade às normas de segurança e de saúde e a obrigação dos Estados-membros em promover a melhoria das condições de trabalho, inclusive com normas mais severas do que as estabelecidas pelo Direito comunitário.
A Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989, com exceção do Reino Unido, também resguarda a saúde e a segurança no trabalho.
Exemplo da importância que a União Européia dá a um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado está demonstrado pela escolha do ano de 1992 como o Ano Europeu da Segurança, Higiene e Saúde no Local de Trabalho.
VIII. O MERCOSUL.
Embora o Tratado de Assunção, que fundou o processo do Mercosul, tenha sido omisso no tocante às questões sociolaborais, a doutrina trabalhista destaca no Tratado prefácio dizendo: “desenvolvimento econômico com justiça social” e “melhoria das condições de vida”.
A partir daí, com o apoio ou tolerância das delegações governamentais, vem a doutrina trabalhista construindo a dimensão social desse processo e revelando uma preocupação com a política social comunitária, que compreende temas desde política de emprego, salários, educação, saúde, até normas de direito do trabalho e seguridade social.
Por recomendação dos Ministros do Trabalho e Previdência Social dos Estados-membros reunidos em Montevidéu, por ocasião da 4ª Reunião do Grupo Mercado Comum, em 1991, foi aprovada Resolução (MERCOSUL/GMS/Res. n. 11/92), criando o Subgrupo de Trabalho nº 11 (Assuntos Trabalhistas), que decidiu formar várias comissões, dentre as quais, a Comissão de Saúde e Segurança no Trabalho. Foi também instalado, como órgão permanente do Mercosul, um Foro Consultivo Econômico-Social, previsto no Protocolo de Ouro Preto.
Subscrita pelos presidentes dos quatro países integrantes do Mercosul, a Declaração Sociolaboral do Mercosul, de 1998, documento solene, mas sem força vinculativa, é considerado o mais importante documento sobre o tema, pela sua importância política inegável.
Dando andamento às negociações entre os Estados-Partes, Brasil e Argentina, em 1999, criaram um plano-piloto para fiscalizar as condições de segurança e saúde no trabalho nas regiões de fronteira entre os dois países.
IX. O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NO BRASIL.
O meio ambiente do trabalho adquiriu tal importância e desenvolvimento que “a nível doutrinário, parece estar assegurada a autonomia conceitual do meio ambiente de trabalho”, segundo Rodolfo de Camargo Mancuso. (Revista TST, Síntese, nº 1, p. 50, jan.-mar. 2000).
Também a Constituição Federal de 1988 em vigor consagrou a categoria meio ambiente do trabalho no art. 225 (de forma mediata) e no art. 200, VIII (de forma expressa), ao dispor: “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:.................................VIII – colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.
Vários dispositivos constitucionais asseguram o direito à saúde e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como, por exemplo, os arts. 1º, III, 6º, 7º, XXII, art. 39, § 3º, 170, 196, 200, 225.
Vale notar que não existe qualquer contradição na Magna Carta entre esses dispositivos e o art. 7º, XXIII, que concede adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas. O respectivo adicional para essas atividades não é um substitutivo à saúde, mas uma remuneração transitória, pois essa situação insalubre, penosa ou perigosa deve ser convertida o mais breve possível em um ambiente de trabalho ecologicamente saudável.
Várias constituições estaduais brasileiras também garantem o direito à saúde do trabalhador no meio ambiente do trabalho, como, por exemplo, a de São Paulo, Rio de Janeiro, etc.
O texto constitucional inovou ao responsabilizar penalmente por crime ecológico (art. 225, § 3º) não só a pessoa física, mas também a pessoa jurídica poluidora:“art. 225................§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Vale lembrar a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O Direito Penal brasileiro trata da vida e da saúde do trabalhador no ambiente de trabalho nos seguintes dispositivos: art. 132 do Código Penal; arts. 14 e 16 da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989; art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. A Lei nº 6938/81, sobre Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece no seu art. 15, penalidade ao poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal.
Ainda que atualmente assegurada “autonomia conceitual do meio ambiente de trabalho”, conforme salientado por Mancuso acima, a legislação anterior à Constituição Federal de 1988 em vigor não contemplava expressamente o meio ambiente do trabalho como parte do Direito Ambiental, o que só veio a ocorrer com a promulgação desse texto constitucional, que recepcionou a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. Por isso, na interpretação do conceito de meio ambiente expresso no art. 3º da Lei nº 6.938/81, deve incluir-se o meio ambiente do trabalho.
Por determinação da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, antes da instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente poluente, será exigido o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e o respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA). Muitos doutrinadores defendem a necessidade de realização do EPIA inclusive no ambiente laborativo.
Vale salientar a importância do licenciamento ambiental na medida em que pode impedir a consumação dos danos ao meio ambiente. No momento de sua renovação, que é periódica, devem ser verificadas as condições de salubridade do meio ambiente do trabalho. O não cumprimento das exigências de respeito ao meio ambiente dá margem à revogação do licenciamento.
As recém-criadas autorias ambientais, que compreendem estudos, avaliações e exames periciais, têm por finalidade fiscalizar o cumprimento das orientações expedidas pelo Estudo Prévio. Está prevista, por exemplo, no art. 193, IV, da Constituição do Estado de São Paulo.
O direito à informação vem disposto no art. 9º, XI, da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente:“Art. 9º. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:XI – a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes”.
Todos os trabalhadores têm direito à informação sobre as reais condições de seu meio ambiente de trabalho (níveis de ruído, toxidade, radiações, riscos, etc) e a forma de execução do trabalho (em turnos, jornadas noturnas, etc). Os exames médicos, no momento da admissão, os exames periódicos durante o período em que se trabalha, quando do retorno ou no momento da demissão, constituem outro elemento importante de análise. O resultado desses exames médicos, que são obrigatórios, deve ser comunicado ao operário.
Nova estrutura para as CIPAS possibilitaria uma melhor fiscalização da salubridade dos ambientes de trabalho. A criação de Comissões de Saúde e Meio Ambiente, defendida por tantos doutrinadores, poderiam desempenhar um papel de prevenção e educação dos trabalhadores na concretização de ambiente de trabalho saudáveis.
Além da Lei nº 6.938/81, sobre Política Nacional do Meio Ambiente, podemos citar, dentre outras, as seguintes normas infraconstitucionais sobre meio ambiente de trabalho: a CLT, a Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), as Leis nºs 8.212/91 e 8.213/91, além de seus respectivos regulamentos (Decretos nºs 7.173/97 e 2.172/97), que estabelecem a Organização e o Custeio da Seguridade Social e os Planos de benefícios da Previdência Social, portarias do Ministério do Trabalho, art. 12, VI, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666, alterada pela Lei nº 8.883).
Novos valores foram introduzidos à Constituição Federal de 1988 em vigor ao consagrar a defesa do meio ambiente no art. 225. Resta ao direito coletivo e ao direito individual do trabalho incorporá-los definitivamente. Somente dispositivos de proteção individual, por exemplo, não melhoram as condições ambientais do local de trabalho, nem anulam a insalubridade no organismo do trabalhador.
A meta há de ser um meio laboral coletivo seguro e saudável. Por isso a urgência de serem efetivamente postas em execução as Normas Regulamentadoras já existentes para avaliação e controle dos riscos do ambiente de trabalho.
Com esse procedimento, o direito de todo trabalhador à redução dos riscos no trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, previsto no art. 7°, XXII, da Magna Carta, atingirá o patamar da eficácia plena. O adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas terá então a característica da transitoriedade, pois a situação insalubre, penosa ou perigosa, conforme já assinalado, deverá ser convertida rapidamente para um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado. A insalubridade, a penosidade e a periculosidade deverão ser excepcionais e inerentes à vida profissional, como é o caso do militar.
Face aos obstáculos técnicos e à diversidade de situações, o método mais adequado e eficaz de proteção à saúde do trabalho é através do contrato coletivo. Não é o que acontece no Brasil, onde a lei é que se ocupa dessa matéria. Nesse sentido, os sindicatos também poderiam desempenhar um papel mais ativo e preventivo na defesa da saúde dos trabalhadores informando os riscos de determinada atividade e celebrando acordos sobre medidas de proteção ou supressão do uso de determinados produtos.
X. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
A ação civil pública, para o qual são legitimados o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, os Sindicatos e demais associações civis, tem sido considerada a medida mais eficiente para a proteção da segurança e da segurança do trabalhador.
XI. RESPONSABILIDADE DO POLUIDOR.
A responsabilidade objetiva por danos causados ao meio ambiente está prevista na Constituição Federal brasileira de 1988 em vigor (art. 225, § 3º) e na Lei nº 6.938/81 (art. 14, § 1º).
Tem legitimidade para propor ação de responsabilidade criminal o Ministério Público da União e dos Estados. Vale anotar que o Ministério Público, sobretudo o de São Paulo, vem ajuizando ações penais por dano ao meio ambiente do trabalho e à saúde dos trabalhadores fundamentado no art. 132 do Código Penal, que dispõe sobre o crime de perigo para a vida e a saúde de outrem.
Haveria conflito entre o art. 7º, XXVIII da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade subjetiva por acidente de trabalho, com o art. 225, § 3º, que estabelece a responsabilidade objetiva no caso de conduta lesiva ao meio ambiente?
Tentando resolver o impasse, Julio Cesar de Sá da Rocha assevera:“como se trata de poluição no meio ambiente do trabalho que afeta a sadia qualidade de vida dos trabalhadores, a compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser outra senão a de que a responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva; e quando a Magna Carta estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente se refere ao acidente de trabalho, acidente-tipo individual, diferente da poluição no ambiente do trabalho, desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais.” (Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica, p. 67).
XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A preocupação com questões ambientais, que antes se restringia a pequenos grupos preservacionistas ou partidários, passou a ser uma preocupação mundial, no que muito colaborou o sindicalismo europeu, canadense e americano.
Até o setor empresarial, antes vacilante, vem se ocupando com a questão ambiental.
A extrema competitividade imposta pela globalização da economia com a criação de empresas multinacionais criou o padrão de qualidade total. São representativos dessa tendência os certificados ISO 9000 e ISO 14000, conferidos, respectivamente, a atividades de ponta e a certas atividades produtivas detentoras de um determinado padrão de qualidade. A uniformização dos selos verdes nasceu da pressão de consumidores americanos e europeus preocupados com o meio ambiente. Estuda-se agora introduzir a série ISO 18000, certificação internacional de proteção de segurança do trabalho e patamar de remuneração.
Com a série ISO 18000, estariam os trabalhadores efetivamente protegidos no seu meio ambiente de trabalho? É claro que não, porque, na verdade, o certificado ISO 18000 tem por objetivo velado proteger os mercados financeiros europeus e americanos e conter os avanços dos blocos emergentes, sobretudo dos Tigres Asiáticos, que tiveram um crescimento econômico avassalador.
Ainda que por razões de competitividade, de imagem ou pelos enormes custos e dificuldades impostas pelas legislações de seus respectivos países a partir da década de 80, o setor empresarial está mudando e é certo que alguns já perceberam que um meio ambiente ecologicamente desequilibrado, aí incluído o meio ambiente do trabalho, retornará em prejuízo, em queda de produção e de qualidade.
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